Violência doméstica
É urgente prevenir
Os últimos tempos têm sido pintados de negro para algumas mulheres, vítimas mortíferas da hedionda e criminosa violência doméstica. Desde o início do ano, o país já assistiu a nove assassinatos. Se recuarmos dez anos, as vítimas atingiram as 179, com mais de 50 anos. E, entre os 36 e os 50 anos, 140 mulheres. A propósito de violência doméstica, recorde-se, ainda recentemente, dos 15 juízes do Conselho Superior de Magistratura, sete se abstiveram no caso do juiz Neto de Moura que utilizou o argumento bíblico sobre o adultério, para mitigar a pena de um homem que agrediu a sua mulher, com uma moca com pregos. Em consequência, o processo foi arquivado e tudo se reduziu a uma modesta advertência disciplinar.
Como foi possível chegar-se a esta nefasta situação social? Perguntarão alguns.
Regressemos ao séc. XIX, para não termos de recuar mais, até à antiga Grécia e à civilização romana, passando pela cristandade da idade – média, onde o papel das mulheres na sociedade foi sempre considerado inferior ao do homem, podendo este dispor da sua esposa e família, a seu belo prazer. Foi necessário chegar-se ao ano de 1878, com o nascimento dos movimentos feministas, para despontarem os primeiros alertas, a favor dos direitos das mulheres na América do Norte e na Inglaterra, países em galopante expansão industrial. Tenha-se em conta que neste século, os códigos jurídicos dos países europeus nem sequer consideravam a violência doméstica sobre as mulheres, como um comportamento criminoso. Ao marido era dado o direito de poder dispor de legítima autoridade para exercer o seu domínio sobre a esposa, do modo que ele bem entendesse. Dentro deste caldo cultural, o machismo foi-se impondo, galopando até aos nossos dias.
Quanto ao nosso país, ao longo do séc. XX, no regime ditatorial do Estado Novo, o papel da mulher foi sempre considerado como subalterno, em relação ao poder dominador do homem. Como exemplo, recordemos que a esposa não podia ausentar-se do país sem autorização expressa do marido. Uma professora não se podia casar sem o aval do Estado.
O ditado tão popular “entre homem e mulher não metas a colher”, diz bem da atitude que se devia ter, face aos casais desavindos ou violentos. Maridos que desancavam nas suas mulheres, movidos por ciúmes ou pelo álcool, era o pão de cada dia.
Mas não se julgue que foi fácil chamar a atenção para os comportamentos criminosos da violência doméstica. Tivemos de esperar pelos finais do séc. XX, para que este problema viesse para as primeiras páginas da comunicação social. Deste modo, foi apenas a partir de 1993 que a Organização das Nações Unidas (ONU), apelou a todos os países para começarem a considerar a violência doméstica como crime, sujeito ao poder judicial. Para efetivar esta orientação, a Convenção do Conselho da Europa, através da Convenção de Istambul, realizada no dia 11 de maio de 2011, para combater a violência doméstica, contra mulheres e crianças, decretou que os países subscritores, dos quais Portugal faz parte, deveriam organizar-se no sentido de proteger as suas vítimas. Este documento entrou em vigor em 2014, com 44 países subscritores, incluindo a União Europeia.
Mas quando nos referimos à violência doméstica, incluindo a psicológica, de que estamos a falar?
Segundo os juristas, trata-se de um comportamento que envolve a violência ou outro tipo de abuso, por parte de uma pessoa contra outra, num contexto familiar, incluindo os filhos, instrumentos de uma guerra que não é deles. Estes tipos de violência, como nos diz a experiência, podem acontecer em qualquer classe social, rica ou pobre, analfabeta ou culta, em casais hétero ou homossexuais. Neste lote se incluem ainda os namorados jovens e os casais a viver em união de facto. Por incrível que pareça, até as pessoas idosas podem ser atingidas. Como se sabe, existem situações sociais e familiares que potenciam mais a violência doméstica, sobretudo, situações prolongadas de desemprego ou de precaridade.
Para se tentar debelar a criminosa violência doméstica no país, já houve várias manifestações populares. O próprio governo, preocupado com o problema, já reuniu com diversas entidades, revelando alguma vontade em combater este cancro social. Porém, se a Justiça, lenta e de mãos leves, continuar a fazer vista grossa para com os agressores e não existir um plano de prevenção, de pouco servirão as medidas anunciadas.
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