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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

Redação da Guidinha

31.03.19 | asal

Vencido mas não convencido

 

pires da costa.jpg

          Corriqueiro é o título  da hipotética crónica que se segue o que até convém para condizer uma coisa com a outra ainda que esse não seja o propósito do escrevinhador ainda neste momento sem ter definido o assunto que vai sair até poderemos chamar-lhe velho  ao título e foi talvez por isso que me ocorreu tão facilmente e já que saiu deixá-lo ficar porque me dará um grande jeito para encabeçar o que mesmo agora me ocorreu na mente e que vou tentar explanar sem grandes retóricas dado o assunto simples que é mas que em simultâneo será talvez difícil para entrar nalgumas inteligências que se evidenciaram aqui há uns anos não sei quantos mas também não me interessa o que interessa é a matéria que motivou esta narrativa de que para uns não terá muita importância mas que para mim tem e isso é o que verdadeiramente o justifica e para não me tornar fastidioso como aconteceu com um grupo de portugueses ou portuguesas sei lá se com alguns brasileiros que um dia ou um ano se juntaram para praticar um ato de lesa pátria que se o eça o queiroz e o miguel o torga e o aquilino o ribeiro e tantos outros fossem vivos lhes dariam forte e feio que eles se encolheriam quais cobardes que atuaram «actuaram » em segredo não se sabe bem onde o que se sabe é que quase misteriosamente enviaram para a cara de todos nós  portugueses uns molhos de nabiços disfarçados de « REGRAS DA NOVA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA» numa tentativa de a descaraterizar « descaracterizar» como que numa ânsia ridícula a procurar fazer ver que a  chamada etimologia era para parvos e atrasados mentais e que antes deles a língua portuguesa era um alforge de aberrações sem qualquer identidade linguística sem família sem pai nem mãe como se o latim e o grego nunca tivessem existido e outros idiomas menos conhecidos a quem devemos a majestática língua portuguesa que apesar de enxovalhada por alguns é o orgulho da grande nação que quase se envaidece com toda a sua riqueza vocabular que gerou tão extraordinárias obras literárias e agora chegou a hora de revelar o motivo da indignação que já citei e que tanto me incomodou acontece que tenho um casal vizinho que é tu cá tu lá porta à porta e que tem um filho o necas que frequenta a escola do primeiro ciclo e que dantes se chamava escola primária que por indicação do pai que tem a mania de que eu escrevo umas coisas como ele diz me pediu que lhe escrevesse um texto para ele levar para a escola para ser interpretado pela turma de acordo com o que a professora havia pedido e como ao meu vizinho necas eu nunca digo não assim fiz e entreguei-lhe uma pequena história quanto a mim condimentada com algum sentido pedagógico e também apropriada para o fim a que se destinava e entreguei-a ao meu amigo que expressou um ar feliz como quem pressente que lá na escola iria fazer um brilharete  e fiquei na expectativa do que o necas teria para me dizer sobre o que se passara só que aconteceu que daí a três ou quatro dias já não me lembro bem e do necas  nada ao contrário do que era habitual que nos víamos quase todos os dias e então fui eu tocar à campainha dele para satisfazer a minha natural curiosidade e veio abrir-me a porta o necas e apesar do meu entusiasmo e ao contrário do que costumava acontecer ficou frio cabisbaixo dir-se-ia quase indiferente por me ver o que estranhei e apesar de tudo perguntei-lhe como correra a apresentação do trabalho lá na escola ao que ele quase a medo me respondeu de modo acanhado que os meninos e as meninas tinham todos gostado da história mas que a professora não gostara muito porque havia lá cinco erros e mandou-me escrever corretamente « correctamente » em casa  trinta vezes cada palavra que estava errada fiquei banzado e sei lá mais o quê e pedi-lhe que me trouxesse a folha do que eu fizera para analisar o que se passara e até exclamei em surdina e revoltado que tal coisa não poderia ter acontecido mas tendo recebido o papel lá estavam as tais palavras sublinhadas a vermelho - acção – objecto – reflectido – electricidade – recta - para tentar redimir-me perante o meu amigo vizinho que foi quem ouviu a professora na frente dos colegas pedi-lhe desculpa e passei a explicar-lhe como achei mais conveniente a razão da atitude da professora e porque eu escrevera daquela maneira e prometi-lhe umas explicações para o ajudar a compreender pois iria ele encontrar muitas palavras em livros mais antigos ao que ele acedeu já com um sorriso aberto e agora resta-me declarar pública e solenemente que a única razão dos meus «erros» foram consequência de ter jurado a mim mesmo que nunca mas nunca jamais em tempo algum escrever o quer que fosse segundo o  tal acordo ou desacordo da minha estimada língua aliás como acontece com muitos outros portugueses que querem a nossa língua prestigiada e não achincalhada este termo foi forte mas deixá-lo tendo-me mantido firme no meu propósito até hoje dia em que me declaro  «vencido mas não convencido» pois por não querer voltar a sentir o que senti com a deceção «decepção» do logro em que caíra e jamais voltar a colocar o necas e outras crianças no início da aprendizagem em e muitas outras considerações mereceria este assunto mas para sintetizar e não maçar mais o leitor que com boa vontade seguiu a  leitura até aqui  declaro com toda a convicção  e humildade que os tipos desculpem-me mas tenho que apodá-los assim na prática tiraram um pedaço da pátria ao nosso expoente literário Fernando Pessoa que um dia escreveu « a minha pátria é a língua portuguesa » tomem lá que é para aprenderem ai de vós traidores se ele fosse vivo e agora a pontuação ponham-na eles os do tal acordo já que sabem tanto mas não se pense com tudo isto que estou zangado pois tratou-se apenas de um desabafo e para provar isso vou terminar  de forma pacífica e cordata « perdoai-lhes senhor porque eles não sabem o mal que fizeram » e como prometi vou cumprir –ação – objeto- refletido – eletricidade – assim à moda dos políticos.

a. pires da costa