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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

PRAIA DA CONSOLAÇÃO, consola mesmo?

17.07.16 | asal

PRAIA DA CONSOLAÇÃO - escreve António Henriques

A experiência de 13 dias naquela pasmaceira dá que pensar. E, a pedido de vários colegas, aí vão as minhas impressões. Fazem parte de uma RUBRICA deste blogue que se pode chamar "NÓS AGORA".

 

1 - Primeiras impressões

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Mas o que é isto, meu Deus?! Onde é que eu vim parar? Com esta aragem fria de cortar a pele, que me obriga a vestir um blusão num dia tão bonito, com uma temperatura de verão dentro do carro, quando o deixo no pequeno parque frente à Igreja e pertinho da descida para a tal famosa praia, ainda perscruto, a norte do forte da Consolação, a extensa praia e o belo areal que se prolonga até Peniche. Mas não é este o meu destino.

Para alinhar nos intentos reais que aqui me trouxeram, olho para sul, onde, lá no fundo de uma extensa escarpa, lobrigo aquele pequeno espaço, de pedras escuras, batidas pelas fortes ondas, sem qualquer areal, para onde convergem muitos indigentes como eu e onde já se acotovelam outros mais madrugadores.

Se informação anterior não me tivesse chegado, por certo não desceria aquela extensa vereda, dividida em escadaria e rampa por um corrimão de aço onde muitos se apoiam para descer e subir. Mas eu já tinha lido muita informação sobre as potencialidades deste recanto e já tinha ouvido testemunhos verídicos sobre os poderes curativos destes ares. Por isso, ali vou eu, atrás de muitos outros trôpegos, à procura não sei se de um milagre que curasse os sinais de artroses, bicos de papagaio ou reumatismos, que a idade vai carreando.

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Aquelas pedras ásperas, irregulares, pontiagudas, informes, vão ser o meu poiso durante uns longos dias, porque o milagre não é instantâneo. Munido de uma toalha, procuro um local ainda não ocupado, onde eu possa aguentar umas horas a fio, nuns bancos toscos e mal-amanhados pelo muito uso que deles se faz. É o melhor que há e quase o único sinal de trabalho humano, pois o resto é mesmo a natureza ao natural, o que obriga os ocupantes a grande esforço e equilíbrio, quer para se deslocarem quer mesmo para se sentarem ou deitarem em materiais que me lembram camas de faquires…

Uma voz amiga ainda me aconselha a não dizer a ninguém onde estamos, pois isto não é local aconselhado a gente mais chique. O local é tosco demais e os figurantes são, na sua maioria, pelas vestimentas e gorduras que ostentam, um mundo de indigentes que não se importam de ostentar misérias. Pisa-se argila numa covinha de uma pedra, mistura-se com água do mar que uma meia

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garrafa foi buscar ali ao charco e vá de besuntar aquela mistela nas pernas desgraçadas das velhas que ali experimentam novas melhoras, indo limpá-las à água fria e salgada do mar. Mais espectacular é a posição que cada um assume: uns sentam-se, outros deitam-se acomodando-se ao piso irregular, o que é deveras vistoso, porque as barrigas até se tornam mais bojudas e brilhantes ou as mamas até crescem empurradas para o alto por pedras salientes onde se ajeitam os corpos. Outros abrem os braços como cristos crucificados, para o sol bater melhor ou para distribuir o peso do corpo por mais espaço à procura de consolo que falta à cama. Depois, é também multicolorida a paisagem e tanto surgem os que se tapam com vestes invernais como os que se destapam quase até à nudez, como aquele que, à sombra de um guarda-chuva, adormece a mostrar o traseiro ao sol baixando as calças até mostrar o que não quer!

2 – Asperezas locais

Mas isto é mesmo doloroso! De dez em dez minutos, tenho de mudar de posição ou ficar de pé; a toalha que me alivia a aspereza do assento não me satisfaz bem e anseio por uns bons chumaços, umas almofadas grossas ou um colchãozinho de ar para ficar refastelado. Tenho de comprar qualquer coisa, pois que, com o passar dos minutos, acaba-se a paciência e a carne grita por alívio… Se ao menos houvesse umas lajes lisinhas…

Entretanto, as horas vão passando sem nada para fazer senão estar ao sol ou à sombra (que as nuvens não nos largam!) à espera de melhoras nestes corpos massacrados pela vida. Curiosamente, passar horas a fio nesta praia não é o mesmo que gozar o sol nas praias do Algarve. Eu já tinha lido sobre este ambiente, mas agora experimento a novidade: passar três horas de manhã e três horas de tarde ao sol sem ficar queimado é algo que me espanta. Protector solar aqui pouca gente usa, o que faz deste um sol especial! É verdade que quase todos deixam alguma peça de roupa a cobrir o corpo, mas a suavidade deste local é mesmo incomum…

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3 – Ocupar o tempo

Horas e horas a fio, sem pôr o pé na água do mar (aconselharam-me a não me banhar no mar para não perder os efeitos benéficos da minha estadia neste saudável logradouro), sem um arealzinho apaziguante para aconchegar os corpos, como vou ocupar o tempo?

Ora, ponho a visão a observar, que essa não é tão massacrada como o sentido táctil. Olho as ondas e os surfistas em equilíbrio a deslizar pelas suas encostas, olho as pedras, donas de quase tudo, muitas delas a serem classificadas por mim como arenitos, cheios de fósseis marinhos, especialmente bivalves. Observo os circunstantes, na sua maioria gente de idade, a caminhar lentamente como quem não conhece bem o piso, muitos a coxear, outros amparados mesmo por um familiar já que o equilíbrio é débil.  O que aqui se exige mais é mesmo a prática do equilíbrio: é muito pouca a segurança em cima destas pedras tão irregulares. As pessoas sustentam-se umas às outras para não se estatelarem nas rochas. E não chega, pois já cá vieram os bombeiros tratar do desgraçado que se abraçou ao chão sem querer e ficou com um grande corte na testa!

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Olho naturalmente as pessoas, que nos seus modos de estar têm muito de figuração variegada. Vestuário bizarro, cores as mais disformes, sacos com os mais diversos objectos para passar as horas… Fatos de banho apertados, a deixar saltar cá para fora as mamas à frente e atrás, pois lá dentro não cabem tantas gorduras…

A visão é o sentido mais usado, como se vê. Mas, é sobretudo na leitura que ocupo o meu tempo. Bastaram seis dias para esgotar as 600 páginas do José Rodrigues do Santos, com uma curiosidade permanente acerca das cenas seguintes. Tristes personagens, massacrados pelas circunstâncias caóticas e desumanas que os envolveram…

4 – Os vizinhos

Com o tempo, vamo-nos habituando a conversar uns com os outros, já que, além das rochas, há um banco corrido, de pedra, ao longo de toda a praia, onde nos acotovelamos, pois é o lugar menos áspero que podemos alcançar.

Cada um fala das razões por que aqui se encontra, dos anos a fio a frequentar esta praia agreste, vetusta e desmotivante, mas desejada pelos seus efeitos terapêuticos; pergunta-se pela residência, pelas ocupações, e muitas conversas sem fim nascem com facilidade. Algumas vão mesmo a intimidades pouco aconselhadas (relações marido/mulher, promessas a N.ª Senhora que eu não faria…). Mas sobretudo são as mulheres as mais faladoras. Em grupos de três ou quatro, as conhecidas passam o tempo a falar de pratos saborosos, dos gostos gastronómicos dos maridos. Outras vezes, vêm à baila os problemas com a gordura e o peso a mais. Diga-se que são mais os gordos que ali se encontram, o que me leva a concluir, em raciocínio filosófico, que é o peso a mais que tramou a saúde destas pessoas. O que eu ando a pensar!

Há senhoras a fazer renda, cada uma com a sua técnica… Lá conseguem enfiar o guarda-sol por uma fresta entre rochas e depois fixam-no com outras pedrinhas soltas. Bem, por vezes lá vai um a voar e incomodar os vizinhos, mas ninguém se queixa. São todos gente de bem, irmanados nos objectivos que ali os trouxe, pelo que nem vale a pena alterar os ânimos pacíficos que por ali se acomodam. Você pode mesmo deixar os seus trastes, presos por uma pedra, a reservar lugar para a parte da tarde, que ninguém lhes toca ou os surripia, mesmo que os que chegam antes gostassem de ocupar aquele lugar…

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5 – Santuário terapêutico hélio-marinho

Estamos à procura de melhorar os nossos níveis de saúde naquela praia a que chamam «santuário terapêutico hélio-marinho». E já vou dizer porquê.

E quem nos orienta? Não há enfermeiros nem médicos nem qualquer técnico de saúde como vemos nas termas. Nem um simples nadador-salvador lobrigamos. Então, como se enche aquele espaço? É um simples “passa-a-palavra” que nos arrasta. Ouvimos a história dos outros e lá vamos nós. Pessoas que logo ao segundo ou terceiro dia sentem melhoras, pessoas que há mais de 30 anos ali vão em peregrinação de 15 ou 30 dias porque sem ela não vivem em saúde. São eles que nos orientam… Se bem ou mal, não sei. Apenas sei que há médicos que recomendam estes banhos de sol, mesmo na Suíça. A própria Internet, tão prolixa em certos assuntos, não diz muito sobre a Consolação.

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Conheço um livrinho (umas poucas folhas), vendido ali na Igreja por 1,50 €, que não é mais que uma súmula de uma conferência de um médico-padre sobre estes banhos de sol que curam. E ali se fala do iodo abundante em todo o ano e do sol especial daquela praia, um sol que não queima. Iodo que provém das muitas algas que dizem existir ali, sem eu as ter visto, e sol especial daquele recanto virado a sul e que não queima; e isto vivido por mim, que passava 6 a 7 horas na praia sem protector solar, embora coberto por uma leve peça de roupa. Dias de sol, de nevoeiro, de chuva, todos nos beneficiam, pelo que durante todo o ano é possível ver ali pessoas. Como já disse anteriormente, tenho ouvido e lido que a praia da Consolação é indicada sobretudo para quem sofre de artroses, artrite, “bicos de papagaio”, reumatismo, tuberculose óssea, espondiloses, asma e até mesmo úlceras de pele.

 Como ali se encontram filões de argila, há gente que, com uma pedra mais dura, pisa e repisa aquela pedra cinzenta até ficar quase em pó. Com um pouco de água, resulta uma papa líquida e barra-se o corpo na esperança de sentir os muitos efeitos anti-sépticos, anti-microbianos, anti-inflamatórios, anti-artrósicos e anti-stress que lhe são atribuídos, graças ao seu poder de absorção. Eu também o fiz, mas com argila da Fonte da Telha, mais fina e pura que aquela mistela, graças ao meu amigo Aires Vieira, grande conhecedor desta matéria e grande benfeitor de centenas de pessoas, para quem carreia sacos e saquinhos desta medicina! O uso da argila também beneficia, naturalmente, o nosso estado de saúde, mas não é o factor mais importante.

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NOTAS FINAIS

1 – Esperei quase três semanas a publicitar este texto. Queria verificar se as melhoras que senti nos meus joelhos persistiam após a minha estadia na Consolação. E é verdade: estou bem melhor! E quero voltar lá…

2 – Passei por termas vários anos e, embora tenha sido benfazeja a minha estadia, nunca me senti tão renovado nos meus achaques como agora.

3 – A Consolação é uma aldeia que se enche de gente nos meses de verão. São apenas três ou quatro os restaurantes locais, pelo que muitos vão até Peniche à procura de melhor restauração.

 4 – Em Junho, cheguei a contar 400 pessoas naqueles 200m de comprimento por 20m de largura. Não sei como será em Agosto. Os “habitués” dizem-me que não caibo lá naquele mês.

5 – As temperaturas são normalmente uns 10* mais baixas que aqui para o sul. Roupa quente precisa-se para suportar o frio e o vento.

6 - Felizmente, na própria praia existem uma boas instalações sanitárias, normalmente fornecidas de papel higiénico e papel de secar as mãos. Existe também um pequeno restaurante, da responsabilidade do Hotel Neptuno, onde se pode almoçar sem sair da praia.

7 – Não assumo qualquer responsabilidade no que aos outros acontecer. Cada um é livre de fazer e estar onde quiser.

 

António Henriques

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