POEMA
As palavras são importantes!
E os nossos gestos ainda mais. Um poema-reflexão de Pires da Costa .
DÁ-ME A TUA MÃO !
São labaredas de fogo triste,
São faúlhas no ar que ferem,
São agudos varapaus em riste,
São desejos que não se querem.
São gestos sem consistência,
São remorsos da inconsciência.
Tantos seres vivem sem vida,
Tantos enigmas por decifrar,
Labuta-se em ânsia incontida,
Para quase nada encontrar.
São condutas vis, execráveis,
São tentações incontroláveis.
Uma aventura em cada esquina
Das surpresas que a vida tem,
Quando surge uma menina
Triste, à procura de alguém.
Corpos loucos, almas sem vida,
Indiferença, vontade contida.
Agitação frenética, vã euforia,
Viver fútil, orgulho mesquinho,
Ao que a pobre menina queria,
Ninguém ligou um poucochinho.
Com a pequena mão estendida,
Via-se só, ignorada, repelida.
Gente a correr, altiva, indisposta,
Com crueldade a pisa e empurra.
Grito ameaçador como resposta:
Deixa passar, minha grande burra!
A menina ouve, encolhe-se e chora.
Outro diz: mexe-te, vai-te embora!
Até que alguém junto dela pára.
Com afecto, chama a criancinha.
Atitude nobre, infelizmente rara.
Tens fome? Toma uma esmolinha.
A sorrir, põe-lhe o óbolo na mão.
Rola a moeda, vai cair no chão.
Surpresa, a benfeitora imaginou
Um drama maior do que a fome.
Entretanto, a menina se baixou,
Apanhou a moeda e disse: tome!
«Diz-me, querida, o que queres,
Eu quero dar-te o que quiseres».
«O pai, não cheguei a conhecer.
A mãe, não a consigo encontrar.
A tia com quem estou a viver,
Dá-me comida sempre a ralhar.
Quero carinho que nunca me dão,
Leva-me contigo, dá-me a tua mão!..»
A. Pires da Costa