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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

Padre Manuel Antunes

10.11.18 | asal

António, aí te envio um texto sobre o grande intelectual e pedagogo Padre Manuel Antunes, natural da Sertã. Trata-se apenas de um breve apontamento de um homem extraordinário que tão bem reflectiu sobre o nosso país, apontando caminhos de futuro. Como este ano o nosso grande e ansiado encontro se vai realizar na Sertã, não seria bom lembramos este jesuíta nascido na nossa diocese? Fala lá com o Mendeiros e a restante equipa sobre o assunto. Poderíamos envolver a Câmara e os sacerdotes da Sertã...Lúcio e Cardoso e outros...nesta comemoração dos 100 anos deste sábio sacerdote. Que dizeis?

Abraço-vos na Amizade e cordialidade de sempre. F. Beirão

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Tornar o homem mais humano

 

A poetisa Sophia de Mello Bryner, referindo-se à singular figura do p. Manuel Antunes, sublinhou que havia nele uma coisa extraordinária: “uma grande ligação entre a cultura e a vida”. E rematava: “ele nunca se revelou um homem escolar. Qualquer homem, com o grau de erudição e inteligência que ele tinha, corria sempre o perigo de esterilizar humanamente num pensamento abstrato e muito teórico”.

Mas afinal quem foi este jesuíta que se tornou num intelectual incontornável, como pensador e pedagogo, no panorama cultural português nas décadas de 60 e 70 do séc. XX?

Manuel Antunes nasceu em 03.11. 1918 na Sertã e faleceu em Lisboa a 18.01.1985, com 66 anos. Na sua juventude, ingressou na Companhia de Jesus, onde permaneceu ao longo da vida. As suas qualidades humanas e intelectuais foram-se revelando sobretudo, ao longo dos anos em que ensinou na Faculdade de Letras de Lisboa, como titular da cadeira da História da Cultura Clássica.

Conheci este homem nesta faculdade na década de 70. De estatura franzina, sempre muito apressado, vestido de preto, com a sua robusta pasta na mão, era vê-lo, na saída das aulas, à procura de um táxi. Além de professor universitário, a sua multifacetada cultura, foi-se revelando também como ensaísta, na direção da revista “ Brotéria” a qual, recorde-se, teve o seu início no antigo Colégio jesuíta de S. Fiel. Porém, a sua atividade intelectual foi muito mais longe. Grande enciclopedista e humanista que era, deixou-nos múltiplas reflexões sobre crítica literária, história, filosofia, política, educação, teologia, sociedade e espiritualidade. Não admira pois que o general Ramalho Eanes, quando Presidente da República, consultasse este seu amigo com regularidade, para com ele se aconselhar nas suas decisões de estadista. A admiração por este seu amigo concretizou-a Eanes, ao conceder-lhe o honorífico Colar da Ordem Militar de Santiago e Espada. Nesta solene cerimónia, o então Presidente da República justificou tal distinção, como sendo Manuel Antunes “ um dos melhores dos nossos maiores”

Recorde-se que as múltiplas reflexões que nos deixou, a respeito das diversas temáticas em que foi mestre, mereceram ser publicadas pela Gulbenkian, entre 2005-2012, em 14 volumes. Mas onde o p. M. Antunes exerceu a sua maior atividade pedagógica foi na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se enchia o anfiteatro I, com alunos de vários cursos, em completo êxtase. Não se confinando apenas à cultura clássica, este pedagogo abordava ainda outras temáticas, relativas à vida política, religiosa e social do país. A este propósito, escutemos as palavras de um dos seus milhares de alunos que assim recorda o seu mestre. Luís Abreu, ao enumerar as principais características pedagógicas deste seu professor, destacou as seguintes: “usava uma linguagem clara, fluente, rigorosa, elegante e aberta à diversidade”. Deste modo, o jesuíta, ao caracterizar a problemática da nossa civilização, classificava-a como sendo “inquieta, atormentada, indutora de desassossego e moldada por imposições de automatismos do “homo mecanicus”. Para se saber viver dentro desta complexa e desumana cultura contemporânea, ensinava aos seus alunos que “hoje deveria prevalecer uma educação integral do homem, fazendo-o crescer como sujeito livre e responsável, participante na vida da comunidade, em harmoniosa relação”. Estes ensinamentos, proclamados nos tempos da ditadura salazarista, anos 60, certamente não deixava os seus alunos indiferentes, face ao que se passava no país, com a proibição do exercício das liberdades fundamentais e uma férrea censura. Este jesuíta porém, apesar destas limitações, sempre se mostrou um intelectual livre, empenhado e solidário, preocupado com a sociedade do seu tempo. De jeito muito discreto, foi inspirador dos novos tempos democráticos do seu país, com a sensatez de um sábio.

Por tudo isto, saudamos o Congresso Internacional dos 100 anos do nascimento desta figura maior da cultura portuguesa. Evento que será repartido pela Sertã, pela Gulbenkian e ainda por uma exposição itinerante. Louváveis iniciativas para chamar a atenção para os ensinamentos deste intelectual, e aprender com ele a urgência de “tornar o Homem mais Humano”. Finalmente, recomenda-se o seu livro “Repensar Portugal, 1979”, o qual, segundo Eanes, todos os políticos deveriam ler e pôr em prática. Nele se adverte, pensando no conturbado pós - 25 de abril de 74, que “é pela Moderação que o Novo se institucionaliza e generaliza.”

florentinobeirao@hotmail.com