OS QUE NADA TÊM
Uma reflexão...
Hoje de manhã subi as escadas, como faço habitualmente quando vou à zona alta da cidade. As escadas são íngremes,seis vãos e quando se chega ao cimo o nosso ritmo cardíaco está acelerado. A meio das escadas, ia o Yanik de sacola às costas três ou quatro degraus à frente da avó.
Senhora africana, de idade avançada e apoiada na canadiana, subia a muito custo, degrau a degrau, a grande escadaria.
A criança subiu até ao cimo, olhava para a avó e esperava que ela lá chegasse.
Neste trajecto que faço diáriamente, passo por eles, saúdo-os com a salvação da manhã e digo ao Yanik, ..... "ajuda a avó". Ele olha para mim e sorri....nada dizendo.
Caminham os dois até à rua de cima e separam-se na curva. A avó vai à missa ao Santuário e ele segue com o companheiro de classe, que o espera, para a escola que já não é longe.
Mais à frente, a escadaria da Cooperativa. É lá que, num cantinho, enrolado em trapos e cartões, dorme um sem-abrigo, o Nando. Não tem hora para se levantar, esgota o sono até querer. Depois começa a faina do dia... inspeccionar os contentores do lixo e procurar tudo o que é metal. É a forma de ter uns trocos.
Lá vem o Edu, homem que habitualmente permanece no Largo do Santuário. Nada tem, vive de esmolas ... umas moedas, umas roupas e vai distribuindo sorrisos para quem olha para ele. Hoje, trazia na mão um saco de plástico e foi colocá-lo junto aos trapos do Nando, retirando-se devagarinho e silencioso para não incomodar.
Cruzando-se comigo, perguntei-lhe o que deixara naquele saco ao pé do amigo!
- Sabe, ele, quando acordar, tem lá o comerzinho no saco! Faço isto muitas vezes, temos de nos ajudar, não temos outro remédio...
- Então, e que comida tem o saco?
- "Uns bolinho", respondeu ele.
Continuei a andar e caí em mim... pensei... os que não têm nada ainda ajudam os que nada têm.
Que bela lição de vida.....
A pobreza é um flagelo nos nossos dias. Mas, será que as pessoas têm de ser pobres?
João Antunes