São histórias de vida, mesmo que seja de um borrego... Obrigado, José Raposo Nunes! AH
O borrego do meu amigo Zé Santana é cego.
Quis Deus e a natureza que o pobre fosse castigado logo à nascença, para mal dos seus pecados, o que é de uma tremenda injustiça que, de tão novo, nem tempo teve ainda para pecar...
Quando o vi sair atrás da mãe mas sem se desviar da cancela que vedava o local onde antes desfrutavam da pastagem fresca e verde, desconfiei que algo estaria errado. Ora chocava contra a cancela, ora contra o tronco da laranjeira, ora contra qualquer obstáculo no seu caminho, ziguezagueando sem norte.
- Zé, o borrego é cego, coitado.
- Pois é, nasceu assim.
Descobri então que tem uma audição e talvez um olfato muito apurados, o que lhe permite seguir a sua mãe, ultrapassando, por tentativas, todas as dificuldades.
Quando finalmente se encosta ao corpo daquela corpulenta ovelha, lã na lã, sua progenitora, e a sente como sua, aí sossega e volta a pastar normalmente, por saber que onde está a mãe, está um lugar seguro. É que para comer sem visão, não precisa de ver, basta sentir o aroma fresco da erva e a proximidade da sua protetora.
Mãe é mãe, claro. E o pobre borrego sem ela, teria uma vida ainda mais difícil.
Então eu, comovido e com pena da malfadada criatura, disse ao Zé:
- Tens que o matar (consciente da crueldade das minhas palavras), ao que ele respondeu que sim, que é uma obra de caridade, mas tem que o deixar crescer mais um pouco, porque um borrego, mesmo cego, ainda faz um rico ensopado.
Há vidas que nascem na escuridão e vivem na escuridão. Vidas negras.