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AMOR EFÉMERO
Ontem, levantei-me, fui à janela,
Hábito velho, de manhã cedo.
Visão mágica, encantei-me dela,
Caí em êxtase com olhar ledo.
Surpreso com tamanha beleza,
Quedei-me mudo, na incerteza.
Ali, à frente da minha morada,
Ela se postou, graciosa, feliz.
Tudo o que nela vi me alegrava,
Vestimenta alva, trejeitos subtis.
E, como se estivesse a esperá-la,
Senti-me até capaz de amá-la.
Aproximou-se quando lhe acenei,
Encantei-me perante tal candura,
Ao vê-la tão perto, quase delirei,
Imaginei-me a sede da ventura.
Lentamente, sumiu-se na multidão.
Atónito, gritei-lhe. Tudo em vão!
Hoje, ao acordar, corri à janela,
Receoso, mas cheio de esperança.
Tamanha surpresa, lá estava ela.
Mas, Deus meu! Aquela mudança!..
Ontem, pomba branca de encantar;
Hoje, toda de negro, quase a chorar.
Disforme, escura, ar rancoroso,
Como quem cumpre destino fatal.
Vê-la assim, que sentir doloroso!
Sem beleza, lúgubre, estado letal.
Quanta mágoa por mim sentida,
Senti-me traído pela própria vida.
Olhos cerrados, disforme o rosto,
Ali, na minha frente, ela gritou
Grande brado, visível desgosto,
Raio fulminante de si brotou,
Grossas lágrimas a derramar,
Profunda tristeza, alma a penar.
Nuvens! Humanos! Rosas do meu quintal!
Transitórias vidas teremos por igual.
A vida é efémero sopro em frágil véu,
Como a nuvem que tapa o azul do céu.
Tão linda a nuvem que vi da minha janela!
Mas nunca vi outra chorar tanto como ela!
Pires da Costa