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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

LAICIDADE - a propósito

28.04.17 | asal

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NOTA: Acho útil trazer para este espaço as palavras do Mário Pissarra a propósito de questões levantadas nos últimos dias. Elas próprias não esgotam o tema, mas podem ajudar a reflectir e a produzir novos comentários. AH

 

1 - Poderá um crente defender a laicidade do Estado?

Sim. A esfera da vida religiosa e da cidadania não coincidem. Enquanto a religião estabelece uma relação com uma transcendência, a cidadania refere-se à vivência com os outros numa sociedade concreta. A laicidade caracteriza uma determinada forma de o Estado se relacionar com a religião. Ao nível da organização da vida social, o Estado está acima de qualquer religião e é laico na medida em que garante o pleno exercício e vivência da cidadania de cada um. Isto pressupõe, por um lado, o respeito por parte do Estado da opção religiosa de cada um; por outro, que cada um respeite as leis do Estado (que não podem ter uma fundamentação religiosa) que regem a vida pública.

A Igreja católica não aceita o divórcio, a eutanásia, o aborto, etc. Poderá o Estado laico transpor para a sua legislação estes princípios (ou de outra religião)?. Não, pois impunha ao cidadão práticas e princípios que eram apenas de alguns.

Pode um católico ser laico? Sim. Aceita o princípio da laicidade do Estado. Pode defender formulações concretas dessa leis. O Estado não o obriga a divorciar-se, praticar aborto, etc. Isso é uma opção que a lei lhe confere, mas que a sua religião lhe proíbe. Todavia, por respeito pela cidadania dos outros (com outra ou sem religião) aceita e defende que possam tomar opções diferentes para também eles poderem agir de acordo com a sua consciência e os princípios da sua religião.

Óbvio: esta discussão só faz sentido numa sociedade pluralista.

Mário Pissarra

 

2 - Tolerância de ponto versus laicidade

"As «aparições» em Fátima ocorreram num momento em que, na sociedade portuguesa, se debatia o lugar da religião, a sua validade, se ela era da ordem do obscurantismo e da ignorância ou não, ou se era da ordem da realização e pode fornecer às pessoas um sentido para a sua vida.”


A. Marujo - Rui Paulo Cruz (2017). A Senhora de Maio: Temas e Debates: 65.

 

Este pequeno excerto demonstra a complexidade de problemas e os inúmeros problemas que os debates sobre o tema encerram. Hoje, por exemplo e sob o pretexto de algumas palavras de um deputado, muitos têm discutido a laicidade do Estado. O pretexto foi a anunciada tolerância de ponto para os funcionários públicos para 13 de Maio a pretexto da vinda do Papa a Fátima. Que reacções surgiram: a) Inaceitável -- o Estado é laico. b) Formidável: mais um dia de folga (praia, passear, etc.) c) Ainda bem: podemos ir a Fátima, ver a TV, aproveitar a ocasião para ver o papa, etc. d) Os funcionários públicos são uns privilegiados, para os que trabalham no privado não há tolerâncias,...

A questão da verdade não se coloca nesta, como em muitas outras discussões. Mas ultrapassando o sectarismo monocular de certos anticlericalismos, estilo republicanismo jacobino que confunde laicidade com laicismo, perguntas pertinentes são: 1. É legítima a decisão do Governo ou é contraditória com o princípio da laicidade. 2. Os direitos de alguns cidadãos são violados? 3. O Estado toma partido a favor de alguma religião?

Mário Pissarra