E vai poesia...
Mais uma vez, a veia poética de um juncalense.
INTEMPORALIDADE
No relógio da intemporalidade das horas
Correm tempos desencontrados,
Crianças correm nos campos às amoras
À borda dos caminhos empedrados.
Reluzem olhos de feras nas serranias,
Nos bardos, ovelhas dormem ao relento.
Trocam-se nos palácios risos e cortesias,
Exibindo gestos de fingimento.
Lembram lobos famintos e traiçoeiros,
Devoradores de ovelhas e cordeiros.
Há pedaços de vidas moribundas
Espalhadas pelo chão,
Correm injustiçadas almas furibundas,
Sentindo no seu íntimo a razão
Negada pela justiça viciada.
Há gritos que ecoam no além,
Há iguarias que não sabem a nada,
Há culpas que não são de ninguém.
Fingidores enxameiam o mundo,
Ansiosos por mandar
Nas consciências e nos haveres.
Vive-se num poço sem fundo,
Mais profundo do que o mar,
Onde se confundem direitos e deveres.
Como carnívoros pelas encostas,
Insinuam-se os aldrabões,
Possuidores de falsas propostas,
A impingir enganadoras lições.
São asquerosos biltres sociais,
Que fazem dos outros bêbados de arraiais.
Crianças correm nos campos às amoras,
Alegres, cheias de vida e contentes,
Desconhecendo que, às mesmas horas,
Há outras gentes
Que constroem armas só para matar,
Sem consciência nas suas mentes,
Que em ritmo frio e destruidor,
Matarão crianças alegres e a brincar.
Inocentes, indefesas, sem culpas,
Metidas no alçapão da dor,
Onde rebentam bombas sem parar.
Lançadas sem dó, em catadupas.
São assassinos às manadas,
Sanguessugas do viver alheio,
Destruidores do mundo sem desculpas.
Um cesto de amoras cheio
Para os inocentes sem guarida
Carentes de afetos e comida…
Parece um mundo sem idade,
Onde o império da imoralidade
Imola as crianças à traição,
Tenham comido amoras ou não!...
A. Pires da Costa