Do baú do Animus - 2
Descobri hoje que em 22/08 foi publicada neste blogue a segunda parte de uma história de vida do Zeca -José André. Em dias anteriores (2/08/2014), no Animus tinha sido publicada a primeira parte da mesma história. Hoje voltei ao baú do Animus e arrasto para aqui essas vivências de susto, injustiça e terror do amigo Zeca, com a foto de há seis anos. Obrigado, Zeca amigo, que o povo está contigo! AH
Olá, Amigos recalcados no meu subconsciente, atores do filme da minha adolescência, parados no tempo e que agora começaram a andar, a pensar, a contar o que foram e o que são hoje e a saudade me invade.
Estranho fenómemo de nós vermos "soissantards" (compreenderão mais à frente porque empreguei este galicismo) e os poucos com quem travei conversa ter que recorrer às fotos dos anos 60 para de imediato saber com quem estou a falar.
Foi através do facebook que vos cacei. Travei amizade com o Fernando Paulouro e daí fui apanhado na rede pelo Luis Lourenço Nunes. Por sua vez o Carlos Mingacho, amigo de ambos, pede-me amizade e acrescenta-me no vosso Universo e cá estou, tal um neófito a dar notícias minhas.
Frequentei o Gavião, Alcains e dois meses em Portalegre. Saí no 1 de Dezembro de 1969. A minha primeira grande decisão de adolescente! Frequentei o Liceu Nun'Alvares Pereira de Castelo Branco onde concluí o 7.º ano em Julho de 1971. Fiz ainda o exame de aptidão em Coimbra e matriculei-me na Faculdade de Direito em Lisboa.
Sem grandes recursos, vi-me obrigado a trabalhar de dia e estudar à noite. Trabalhei no INE para custear as minhas despesas.
Foi nessa altura que me envolvi à minha maneira contra o fascismo e, sem saber muito porquê, tinha a PIDE atrás de mim. Minto, sabia porquê, só não sabia quem eram os bufos. Bastou eu participar na greve dos estudantes trabalhadores no início de 1972, sob a batuta da Associação Académica, cujo Presidente era o Arnaldo Matos, e a partir daí nunca mais tive sossego. Comecei a pensar seriamente no exílio e valeu-me um encontro muito secreto com o Manuel Dias, sim o de Alcains e que já vi no blog, tinha ele acabado de chegar da Guiné e disse-me: Zeca, a guerra não merece as nossas vidas e como já lhe tinha contado o meu projeto, acrescentou: Se puderes, vai-te embora.
A brutal decisão caiu em Julho de 72 quando fui buscar as notas do 1.º ano e tive zero em todas as matérias, eu que, sem ser um aluno brilhante, tirava sempre os meus 14 valores. Aí, compreendi tudo e as minhas suspeitas bateram certo. Provoquei um incidente no átrio, com os nervos estatelei as vitrinas das notas no chão, com o barulho da vidraça a partir e com o pânico gerado, vi-me cercado pelos gorilas e antevi, tal um relâmpago, que se me apanhassem nunca mais seria um homem livre e a tropa seria a dobrar. Com a pouca experiência que tinha de fugir à GNR, quando ia para a piscina de Alpedrinha de bicicleta, sem carta, nem matrícula e com poucos travões e pneus carecas (imaginem a multa) nas férias grandes, assim me valeu milagrosamente naquele dia conseguir escapar pelo meio da multidão, ainda bem que não havia câmaras de vigilância.
Ocorreu este incidente por volta do 20 de Julho de 72 às 15 h, no dia seguinte, às 4 h da manhã, atravessava clandestinamente a fronteira em Vilar Formoso e fiquei fechado do lado espanhol até às 8 h da manhã, hora em que abria a fronteira, para que o meu passador pudesse passar "legalmente". Vim a saber mais tarde que nesse próprio dia, o meu tutor em Lisboa tinha a PIDE à porta. Não me tinha enganado sobre a razão dos meus zeros da véspera. Estava condenado.
Mas a fuga estava em andamento e nada me podia travar nem demover na minha determinação. Já adivinharam porque é que empreguei aquele galicismo? Adivinharam o país para onde fugi? Fica para o segundo episódio.
Caros amigos, o programa vai ficar interrompido por causa do sono e da emoção e seguirá dentro de alguns dias, prometido.
Um abraço a todos.
Zeca
O amigo Colaço ilustra o texto no seu Animus com este pormenor de uma foto do tempo do Seminário. Este era o jovem Zeca. Simpático, não?