Centenário das aparições (6)
Mais um texto do Florentino Beirão por ocasião do centenário de Fátima. Privilegiando o seu desenvolvimento histórico, ficamos mais esclarecidos acerca deste fenómeno, hoje com carácter universal. AH
Epicentro religioso do país
Enquanto decorriam as obras na Cova da Iria nas décadas de 20/30, o fenómeno mariano ia-se expandindo e ganhando novos contornos. Mesmo o bispo de Portalegre Domingos Maria Frutuoso, de início descrente, acabaria por se render às visões, decidindo demonstrá-lo, ao celebrar na capelinha da Cova da Iria, em 1931, um Solene Pontifical.
Se como já referimos, a nível material se continuava a apostar neste espaço, o aspeto pastoral não era descurado. Confirmam-no as múltiplas e contínuas cerimónias realizadas na Cova da Iria as quais, a partir da década de vinte, já contavam com a imagem da “Senhora de Fátima” que José Tendin e o padre Formigão elaboraram para a capelinha. Lúcia, ao vê-la, concordou com o resultado. Também para animar as cerimónias e procissões, se recorreu em 12.09.1929, aos versos do poeta Afonso Lopes Vieira o “Avé de Fátima” – os quais ainda hoje se entoam nas cerimónias e nas procissões, no país e no estrangeiro.
De início, havia falta de água para os peregrinos. Para matarem a sede, logo alguém se lembrou de fazer negócio com ela. Face a esta situação, em 1922 abriu-se um pequeno poço, num local húmido com juncos, em frente à capelinha. Alguns peregrinos começaram então a utilizar esta "água barrenta" como milagrosa, levando-a como mezinha, para curar feridas e bebê-la misturada com terra da Cova da Iria.
Face a este comportamento supersticioso e anti-sanitário, as autoridades ligadas à saúde pública, em 13.05.1932, decidiram pressionar os responsáveis para alterarem esta situação. A solução foi erguer no local do poço a estátua do Coração de Jesus - oferta de um devoto - e colocar em volta deste monumento o precioso líquido, através de torneiras.
A partir das décadas de 30/40, para completar e ampliar o relato das “aparições”, o bispo de Leiria solicitou à Lúcia que escrevesse as suas “Memórias”. Nelas se incluiu a visita do Anjo de 1916, desvendado em 1937. Anos depois, em 1941 e em plena 2.ª Guerra - Mundial, entre outras visões da vidente, destaca-se a preocupação pela conversão da Rússia comunista e o relato da visão do inferno. Nas “Memórias IV”, enaltecem-se as virtudes dos seus falecidos primos, Francisco e Jacinta. Lúcia descreveu-os como dados “ a sacrifícios, obedientes e piedosos”. A sua futura beatificação pelo Papa João Paulo II em 13.05.2000, contou certamente com este testemunho. Entretanto, a ligação com o Vaticano não era descurada. Assim, em 12 e 13 de maio de 1937, já se realizou a 1.ª Peregrinação Nacional, presidida pelo Núncio Apostólico. Com medo do comunismo, o Cardeal Cerejeira, de acordo com Salazar - na chefia do Estado Novo - enquanto decorria a guerra-civil de Espanha (1936-1939), organizou uma Peregrinação Nacional em13.05.1938, para cumprir um voto dos bispos para que Portugal fosse livre do “perigo do comunismo” que tinha atingido Espanha. Esta vertente continuaria presente em Fátima, ao longo dos conturbados anos da guerra – fria. Quanto ao aspeto urbanístico da Cova da Iria, em 1939, apresentava-se ainda como um espaço desordenado, “um conjunto de barracas de madeira, com aspeto reles, um amontoado de disparates e dinheiro mal gasto”. O que continuava a predominar era a venda de objetos religiosos, por conta do Santuário, incluindo a terra e a água, consideradas milagrosas.
Em 1940, Portugal assinou uma Concordata com o Vaticano, estabelecendo-se entre eles uma paz estreita e duradoira. Este documento viria a contribuir para que o Cardeal Cerejeira e os bispos decidissem transformar a Cova da Iria num “epicentro religioso nacional”. De mãos dadas, a Igreja e o Estado Novo iam tirando partido pastoral e político das peregrinações. Neste clima, logo em 1942, as mulheres portuguesas lançaram uma campanha para angariar ouro e pedras preciosas para oferecerem uma coroa à imagem da Virgem de Fátima. Em 2000, a esta se juntaria a bala do atentado a João Paulo II, ocorrido no Vaticano em 13.05.1981.
Este ambiente fatimista permitiu que de 8 a 13 de abril de 1942, a imagem de Fátima fosse levada em peregrinação para Lisboa e, por via da rádio, o papa Pio XII em 31.10.1942, consagrasse o mundo ao Imaculado Coração de Maria, por influência da vidente Lúcia. A partir desta altura, o papado nunca mais deixou de colocar os olhos em Fátima, nomeadamente com o célebre 3.º segredo, enviado para o Vaticano em 1957 e revelado pelo cardeal Solano, em 2000 com sabor apocalíptico. Este referia-se a um bispo vestido de branco, assassinado. Logo se associou esta visão de Lúcia ao referido atentado de João Paulo II.
Terminada a 2.ª Guerra-Mundial em 1945, Lúcia escreveu ao bispo de Leiria confessando que Salazar “era o homem providencial, escolhida por Deus, para governar Portugal””. Em 1947, para ser divulgada a devoção de N.ª Senhora, “Rainha da Paz”, muito contribuíram as réplicas de 13 imagens peregrinas que, começaram a viajar pela Europa devastada. Este esforço que se estendeu para fora da Europa contou com o “Exército Azul” de cariz anticomunista, iniciado nos Estados Unidos em 1947 em Nova Jérsia, com o padre H. Colgan que se considerou miraculado. Em 1953, mandou construir o hotel “Domus Pacis” junto da Basílica.
florentinobeirao@hotmail.com