Centenário das aparições (4)
Mais uma análise histórica no centenário de Fátima. Obrigado, Florentino.
Os novos protagonistas
Terminadas as seis “aparições”, Francisco faleceu logo em 04.04.1919, em Aljustrel. No ano seguinte, a sua irmã Jacinta, em Lisboa, em 20.02.1920. Ambos foram atingidos pela mortífera peste da pneumónica. Só resistiria a robusta Lúcia, agora na pré-adolescência, como única testemunha viva das aparições. Nesta altura, não lhe faltaram os convites para visitar famílias amigas e devotas. Entusiasmada com a construção da capelinha, após ter sido solicitada a sua construção em 08.01.1918 ao patriarcado de Lisboa, pelo pároco de Fátima, a vidente, sempre que podia, deslocava-se à Cova da Iria, para angariar alguns donativos com este fim. Em desacordo com esta atitude, vozes críticas, como a católica família Garrett de Castelo Branco, começaram a fazer-se ouvir junto do clero.
Entretanto, o assassinato do Presidente-Rei, Sidónio Pais em 14.12.1918, que tinha concedido alguma paz às relações entre a Igreja e o Estado, conseguiu alterar a relação das forças políticas. A estes acontecimentos se juntou a restauração da diocese de Leiria em 17.01.1918, ficando à sua frente a poderosa figura de D. José Alves Correia, já com 17 deslocações a Lurdes. Uma das suas primeiras medidas consistiu em subtrair Lúcia à sua mãe Rosa, (o seu pai, já doente, morreu em 31.07.1919) retirando-a de Aljustrel. Estava-lhe destinado o seu internamento num asilo do Porto, nas Doroteias, onde aprendeu a ler.
Entretanto, em 28.09.1918, a imprensa, pela mão do padre Manuel Formigão, também com experiência de Lurdes, no jornal católico “A Guarda” ia mantendo acesa a devoção das aparições, com notícias de supostos milagres, atribuídos à Senhora.
Quanto à capelinha, construída velozmente, entre 29.04.1919 e 15.06.1919, ia acolhendo, regularmente, numerosos peregrinos, sob os olhares da devota “S.ª Maria da Capelinha”. Outra medida do bispo de Leiria, em 21.04.1920, consistiu, através de alguns sacerdotes, mandar adquirir os terrenos da Cova da Iria à família Marto, para construir naquele espaço um “Centro de Piedade”, sob a orientação, nomeadamente, do padre Nunes Formigão e do pároco de Fátima, Marques Ferreira.
Neste ano de 1920, uma grande multidão regressou à Cova da Iria para sufragar a Jacinta, recentemente trazida de Lisboa para o cemitério de Ourém. Quem não gostou desta manifestação foi o Administrador do concelho, que movimentou a GNR para impedir novos ajuntamentos. A luta regressava de novo, entre a Igreja e o Governo republicano.
Chegados a 17.04.1921, ainda as escrituras dos referidos terrenos não se encontravam concluídas, já os referidos sacerdotes falavam na construção de uma Basílica na Cova da Iria. Na verdade, a escritura da aquisição dos terrenos só se viria a efetuar em 14.09.21, agora pelo padre Faustino. De imediato, deslocou-se também ao local, pela primeira vez, o bispo de Leiria. Na manga, o prelado levava um projeto para a construção de 12 capelas, com uma Igreja ao centro. Ao mesmo tempo, à semelhança de Lurdes, também ordenou a abertura de um poço naquele local o qual, em 09.11.21, já jorrava água, considerada por alguns devotos, milagrosa. Neste contexto, o bispo, com mão de ferro, decidiu chamar a si o futuro de Fátima, desejando fazer da Cova da Iria um futuro local de peregrinações, à imitação de Lurdes. Para tal, a sua palavra de ordem era tornar aquele um lugar sagrado de “piedade, penitência e caridade” e não, como já acontecia, de foguetório, arraial, venda de vinho e abundante comércio, nomeadamente, de água milagrosa.
Parecia que tudo corria pelo melhor, quando, em 06.03.1922, alguém se lembrou de colocar quatro bombas na recém- construída “capelinha das aparições”, destruindo, em grande parte, a sua frágil estrutura. De imediato, a notícia ganhou asas através da imprensa, relançando de novo a polémica. Os devotos, sentindo-se atingidos, aproveitaram esta atitude agressiva para organizarem uma manifestação de desagravo, contra “o hediondo atentado”. O resultado foi ampliar, ainda mais, o fenómeno das aparições, entre os devotos.
Entretanto o bispo da diocese, tocado pelo entusiasmo desta multidão, cerca de 30.000, em 03.05.1922, decidiu abrir o processo canónico diocesano para validar as aparições da Cova da Iria. Para tal, através de uma Comissão diocesana, formada só por padres, foi colocado à sua frente o grande entusiasta e divulgador das aparições, o padre Manuel Nunes Formigão, teólogo e professor no seminário e liceu de Santarém. A ele se ficaria a dever uma das primeiras entrevistas aos pastorinhos, logo após as aparições. O relatório da vasta equipa responsável levaria vários anos a ser concluído.
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