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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

Celebrar Amália Rodrigues (3)

31.08.20 | asal

Uma estranha forma de vidaFlorentino2.jpg

A vida de Amália Rodrigues, como escreveu e cantou no fado “estranha forma de vida”, decorreu de um modo multifacetado e contraditório. Como mulher e como artista, muitas foram as agitadas águas dos seus dias (1920-1999). Pelos fados que cantou, deixou-nos entrever o que sentia quando cantava. Tanto em criança, como na ditadura salazarista e após a Revolução do 25 de Abril de 1974, Amália foi sempre igual a si mesma. Mas vamos por partes, iniciando pelas suas origens familiares, com raízes na Beira Baixa, concelho do Fundão.

Amália Rodrigues, segundo o registo de batismo da igreja do Fundão, nasceu em Lisboa, na freguesia da Pena, em 23 de julho de 1920, às cinco horas, em casa dos avós maternos, no bairro da Mouraria. O seu nascimento na capital deve-se ao facto de os pais terem imigrado para a capital, à procura de trabalho.

 A família, então dividida, deixou no Fundão dois irmãos mais velhos, ao cuidado dos avós paternos. Um ano depois, em 1921, no dia seis de Julho, os pais regressaram ao Fundão, para batizar a sua filha.

Amália era filha de Albertino Rodrigues de Jesus, natural de Castelo Branco, correeiro e seleiro - fazia selas – e tocava clarinete numa banda. Porém, a sua vida profissional era instável e mal dava para a família sobreviver. Na adolescência, a viver no Fundão, enamorou-se de Lucinda da Piedade, cantora no coro da igreja do Fundão e vendedora de peixe, com quem casou na igreja do Fundão. Desta fecunda união nasceram nove filhos.

O pai de Lucinda da Piedade, António Rebordão, era um empreiteiro bem sucedido que vivia no Souto da Casa - Fundão, o qual nunca encarou com bons olhos o casamento dos pais de Amália. A sua fortuna foi sendo esbanjada no jogo e com “amigos”. Vendo que os seus avultados bens iam por água abaixo, a sua esposa, a avó de Amália, tentou afastá-lo da vida que levava, mudando-se para Lisboa.

Quanto à avó materna de Amália, Ana Bento, era de Alcaria, do mesmo concelho e deu à luz 16 filhos. Quando se juntavam os familiares de Amália, cantavam-se típicas cantigas da Beira Baixa, como “quando eu era pequenino”. A mãe de Amália, cantora em família e na paróquia, era conhecida como “o rouxinol da Senhora da Conceição”.

Quando Amália nasceu em 1920, após a 1.ª guerra-mundial, o nosso país sofria com a morte de milhares de militares portugueses em França e com a pneumónica a vitimar também irmãos de Amália. A nível social e político, as greves e os contínuos governos republicanos, semeavam a pobreza, nomeadamente no bairro industrial de Alcântara, onde trabalhava o pai da fadista.

Entretanto, os pais de Amália decidiram regressar ao Fundão. Em Lisboa, só ficou Amália com 14 meses, ao cuidado dos avós maternos. Mais tarde, Amália, referindo-se a estes tempos, confessou que “nunca teria sido acarinhada pela família e que a avó lhe deu uma educação severa”.

Criada na rua até aos cinco anos, a meninice de Amália foi passada entre brincadeiras e cantorias para os vizinhos que lhe retribuíam com guloseimas e moedinhas.

Quando entrou para a escola primária com nove anos, já ouvia a rádio de um tio, cantarolando as melodias que ouvia. Na escola, recorda Amália, “tive uma professora que foi para mim uma boa mãe”. Pelo contrário, os colegas não a tratavam com tão boas maneiras. Nas festas escolares, a sua professora já lhe entregava papéis de solista.

Chegada aos 13 anos, concluída a escola primária, Amália recebeu da avó a prenda de um vestido novo, de chita azul. A professora ainda tentou que continuasse a estudar, mas a avó não aceitou. Trabalhar em vários empregos foi então a alternativa. Começou por aprender a bordar. Depois, fez rebuçados e, por fim, vendedora de fruta.

Entretanto, os pais da fadista decidiram regressar a Lisboa. Porém, a sua filha, com nove anitos, continuou na casa dos avós, até aos 14. Nesta altura, foi viver com os pais e os seus irmãos. Com menos dois anos do que ela, valeu-lhe a sua boa irmã e confidente Celeste que, em contraste com a mãe, era austera como a avó. Incompreendida por tantos, a sua “estranha forma de vida“ fê-la resvalar para um estado de tristeza, mas também com momentos de alegria, sobretudo no meio do povo.

florentinobeirao@hotmail.com