Brasil - poesia popular
Literatura de Cordel no Nordeste brasileiro
Quem anda pelo nordeste brasileiro pode ter a sorte de assistir, sobretudo, em dias de feira, a uma sessão de poesia ao ar livre. Um magote de pessoas à volta de dois ou três cantadores que tiram das cordas do seu violão, rabeca ou com a batida ritmada de um pandeiro, de improviso, e, muitas vezes, ao desafio, encantadoras histórias em verso. A temática é riquíssima, inspirando-se quase sempre na vida quotidiana do sertanejo. Até 1870, o tipo de estrofe mais simples e mais antigo era a quadra, que, depois, deu lugar ao domínio relativo da sextilha.
Hoje, por razões pessoais, quero celebrar os 46 anos de casamento na Capela do Bussaco, oferecendo ao blogue um texto de cantoria do poeta popular Costa Leite, que a deve ter recolhido do inesgotável cancioneiro da prolífica tradição luso-brasileira, seguindo o velho método dos rapsodos de Homero. Tirando uns versos daqui, pilhando outros dali, e lá aviavam uma “obra”, pronta a ser cantada e dedilhada.
Aqui vai a “História de três amigos ou o poder do dinheiro” , que, obviamente, não posso reproduzir na íntegra.
1- Um poeta popular
do nordeste brasileiro
vai rimar neste cordel
mais um conto verdadeiro
história de três amigos
ou o poder do dinheiro
- Sem dinheiro não se vive/ pois falta alimentação/ mas o dinheiro também/ tem feito a condenação/ o dinheiro só não compra/a vida e a salvação
- O inimigo da alma/ sempre tem sido o dinheiro/ sem ele peca-se menos/ já ouvi dizer primeiro/ e quem é rico demais/ é dono do mundo inteiro.
- Quem tem dinheiro bastante/ perde a tranquilidade/ sim que o dinheiro é bom/mas pra falar a verdade/ afirmo que o dinheiro/ nunca traz felicidade.(…)
- A verdadeira riqueza/ é saúde e felicidade/ sossego e paz de espírito/ viver em tranquilidade/ e ser benquisto com todos/é uma pura verdade. (…)
- Quando o homem tem dinheiro/ e se transforma em agiota/ sempre chega alguém querendo/ fazê-lo de idiota/ e não lhe falta mulher boa/ para tomar-lhe uma nota.
- Eles eram três irmãos/ José, Severino e João/ amigos desde a infância/ vivendo em grande união/ sempre os três estavam juntos/ em qualquer repartição.
- Certa manhã eles três/ combinaram com alegria/ para fazerem uma caçada/ numa mata que havia/ muito longe da cidade /esquisita travessia. (….)
- Meia légua mata a dentro/ numa clareira defronte/ tinha um pé de sapucaia/ e perto havia uma fonte/ dágua doce e cristalina/ ficando no pé dum monte.(…)
- José por ser muito ativo/ se afastou espionando/ viu uma estátua de pedra/ com uma seta apontando/ aonde havia um tesouro/ com a gravura indicando.
- Tinha um letreiro dizendo:/ -Aqui existe um tesouro/ o inimigo da alma/ que causa desgosto e choro/ mas quem levá-lo sozinho/ vai ficar nadando em ouro”
- Então José deu um grito/ pelos amigos chamando/ e quando eles chegaram/ que o ouro foram avistando/ de contentes que ficaram/ os três foram-se abraçando.(::J
- / Então Severino foi/ comprar logo a aguardente/ e quando saiu da mata/ chegou-lhe um plano na mente/ que ele chegou a sorrir/ e ficou muito contente.
- Severino disse consigo: / -Vou botar por desaforo/ veneno dentro da cachaça/não vou perder tanto ouro/ os meus amigos morrendo / eu fico só com o tesouro./ (…)
- João disse a José: Quando/ o Severino chegar/ a gente atira nele/para o dinheiro ficar/ somente para nós dois/ e vamos deixar de caçar. (…)
- Severino foi botando/ as três garrafas no chão/ mas João atirou nele/ em cima do coração/ e José com muita raiva/ também atirou em João.
- Todos dois morreram logo/ fazendo cara de choro/ então José disse: Foi/ tudo por causa do ouro / vou tomar uma “ lapada”/para contar o tesouro.
- José bebendo a cachaça/ sentiu uma dor ingrata/ lhe apertando o estômago/ morrendo na hora exata/ e assim foi aumentando os esqueletos na mata.
Como o dinheiro tem sido
O inimigo da alma
Sei que nunca se tem calma
Tendo dinheiro escondido
Aparece algum bandido
Levando tudo ligeiro
E quem guardou em desespero
Inda chora a sua sorte
Termina ganhando a morte
E não se goza do dinheiro.
( O nome do autor do folheto é dado em acróstico na última estrofe.)
Coimbra, João Lopes, com um abração do meu sertão.
NOTA: Saudamos o casal Maria José e João Lopes no 46.º aniversário do vosso casamento, pedindo a Deus saúde, alegria e felicidade recíproca por muitos anos. Amem-se muito os dois, para poderem dar mais a todos os amigos. Sozinhos não nos salvamos! AH