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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

As nossas Leituras -1

06.04.21 | asal

E continuamos a ler! O Mário Pissarra mostra como faz... Vamos lá seguir o exemplo! AH

O que me levou a comprar este livro?

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    Em tempo tinha visto um livro do mesmo autor: O meu Deus é um Deus ferido. Fiquei surpreendido, mas, como não conhecia o autor, não arrisquei comprá-lo. Feita a investigação sobre Tomás Halíc, padre e teólogo, decidi adquiri-lo, pois achei que seria interessante e iria gostar de o ler. Mentalmente passou a ser para mim um D. Tolentino Mendonça Checo. Porém, quando voltei à livraria, o livro já lá não estava. Fiquei preso ao conceito de «apataísmo». Nunca tinha visto referido o conceito, mas, pelo contexto, seria sinónimo de indiferentismo. O «apataísmo» ou indiferentismo em questões religiosas é um fenómeno sociológico bem conhecido. É uma atitude que embora distinta da do ateu teórico ou militante muitos consideram como um ateísmo prático, pois, embora não façam questão de negar a existência de Deus, vivem como se Ele não existisse.

Agora, assim que o vi, não hesitei. Além disso, o título – O Tempo das Igrejas Vazias -- enquadrava-se num dos meus interesses muito antigos: a secularização e a passagem da Igreja Cristandade para a Igreja das pequenas comunidades.

Ir por lã e volver tosquiado

                O tema sonhado – secularização e o abandono das práticas religiosas -- não correspondia ao tema tratado – a experiência das igrejas vazias em tempo de pandemia. Mas valeu a pena a leitura e acompanhar as reflexões do autor sobre o ciclo litúrgico da quaresma e pascal. Um conjunto de textos para um público erudito e exigente e escritos com sensibilidade poética, muito preocupado com as interpelações do tempo presente. Como pároco com uma Igreja, normalmente sobrelotada, a estranheza da ausência de fiéis é marcante e está sempre presente. Apesar do recurso às tecnologias para estar junto dos paroquianos, bem visível entre nós nesta Páscoa, o autor não se cansa de sublinhar a tentação de substituir a presença real pela virtual. Frisa, inúmeras vezes, a presença real da liturgia eucarística.

Aliás, este interregno da presença dos fiéis e a as igrejas vazias permite-lhe uma acutilante reflexão e desafio: “talvez este tempo de edifícios eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido nas Igrejas e o seu possível futuro – se não fizermos uma séria tentativa de mostrar ao mundo um rosto do cristianismo completamente diferente”. Não podemos esquecer que o fenómeno de reaproximação das igrejas e da religião após a queda da URSS ainda se faz sentir nos países de Leste, embora certos estudiosos destaquem a existência de sinais do tal «apataísmo» ou indiferença.

Que tipo de paróquia é esta que justifica este tipo de textos?

          Que o autor é um intelectual reconhecido prova-o o seu currículo e a sua carreira universitária. Além disso e dos prémios recebidos, foi conselheiro de um ex-presidente checo e é conselheiro atual do papa. A sua paróquia é uma paróquia que inclui a universidade e tem ativado movimentos de reflexão onde o diálogo entre crentes, agnósticos e ateus é uma constante. Uma paróquia com características específicas, com paroquianos culturalmente acima da média e, simultaneamente, muito empenhada em repensar o cristianismo, quer na sua doutrina quer na sua prática, beneficiando de um «renascimento pós-comunista». Esta espécie de homilias em igrejas vazias acompanha um tempo que vai de quarta-feira de Cinzas ao Pentecostes e são um constante desafio a encontrar um Cristo e um catolicismo para além dos rituais litúrgicos. Perpassa na obra a preocupação de encontrar um rosto de Cristo e do cristianismo mais próximo do sentir e pensar e das necessidades do homem de hoje.

Registei com agrado a recusa perentória de Halík «à «devoção virtual», «à «comunhão à distância», «de joelhos diante de um ecrã». Esta visão facilitista de alguns é, para o autor, algo sumamente bizarro. A presença física nas igrejas é fundamental e alimenta uma conceção de igreja como comunidade de crentes.

    Li este livro no momento em que as igrejas começaram a ser reabertas ao culto para as cerimónias pascais. Com regras e limitações, como exige a situação. Não encontrei o que pensei ir encontrar, mas li a obra com agrado e proveito. Não só não fiquei defraudado, como dei o tempo por bem empregue. Nesta coisa dos livros, nem sempre o «ir por lã e volver tosquiado» defrauda. Por vezes, estimula e envolve-nos em confortável agasalho. Foi o caso!

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Tomás Halík não é o Tolentino Mendonça checo, mas é uma voz que merece ser ouvida e a prestar atenção. Ficou a vontade de reencontrar e ler «O meu Deus é um Deus Ferido».

Mário Pissarra

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