Alcains e o Acampamento de Teixoso
Verifiquei que, nos testemunhos, ninguém referiu um episódio marcante na vida do escutismo no seminário: a participação no Acampamento Internacional de Teixoso. As estrelas desse acampamento foram as polacas. A frustração foi elas terem um campo à parte. Os polacos, rapazes e raparigas, eram exilados polacos que viviam em Inglaterra.
O nosso chefe era o Manuel da Silva Pereira. Eu era dos mais novos e os mais velhos eram os do ano do Mendeiros e Bonifácio. O pórtico do nosso campo ganhou um prémio e a sua foto saiu em revistas do escutismo. Também uma patrulha ficou bem classificada.
Um dia, depois do jantar, estávamos a cantar uma canção tradicional da Beira Baixa, quando pelo local passava um repórter duma rádio. Abeirou-se de nós e perguntou se podia gravar. Num ápice, o Manuel Pereira assume o papel de maestro e lá cantámos várias canções populares para a rádio.
A patrulha dos mais velhos foi para atividades na Serra da Estrela. A minha, nesse dia, teve outras atividades dentro do acampamento. Uma das tarefas era apresentar um bilhete de transportes públicos estrangeiro. Eu esfalfei-me à procura, mas não consegui encontrar nenhum estrangeiro portador do referido bilhete. Quando a patrulha dos velhos regressou da serra, ao fim da tarde, fiquei admirado: os de pele mais branca tinham as pernas muito vermelhas. O salmoneado da pele era mais notório no Boaventura. Melhores paisagens da cor de marisco só muito mais tarde na praia. Que o Sol queimava, já sabia de tanto ter trabalhado na campina da Idanha. Até tisnava, dizia-se. Que a altitude aumentava esse efeito, fiquei a saber. O atomato e a mariscada visual das turistas ficou para mais tarde. A curiosidade foi sempre a mesma. O que mudou foi a apreciação e o desejo das amariscadas.
Eu simpatizei com uma polaca. Falei com ela e ela prometeu entregar-me um bilhetinho com a sua morada. Nunca mais nos voltamos a encontrar. Se ela escreveu o referido bilhetinho não sei. O meu andou sempre nos bolsos até ao fim do acampamento. O querer a direção das polacas foi uma fúria geral. Alguém, não sei se por brincadeira se a gozar comigo, no regresso ao seminário no início do ano, informou-me que quem tinha a direção da referida polaca, cujo nome já não recordo, mas o rosto e os óculos permaneceram gravados até hoje, era o Bonifácio. O Bonifácio e os do seu ano tinham partido para o Seminário de Portalegre. Não estive com meias medidas. Escrevi-lhe a pedir a direção. Responde-me de imediato. Num postal simpático, lamentava não ter a direção pretendida. O meu espanto maior é que aquele postal é único na correspondência que recebi em toda a minha vida. Vinha escrito em Latim. Salve, Bonifácio!
Lá tive de me contentar com a correspondência ao longo de algum tempo com um simpático escuteiro polaco. No ano seguinte houve Jogos Olímpicos. Questionou sobre as medalhas de Portugal nos jogos olímpicos, pois não constavam na lista, referindo orgulhosamente as medalhas da Polónia. Entre o reconhecer que não tínhamos nenhuma medalha e não constávamos na lista, considerei aquilo uma afronta e nunca mais lhe respondi.
Mário Pissarra