A Palavra
Meu Querido Amigo
DIA 24 DE JANEIRO : A Missa do Domingo da Palavra
Assisti à Missa da Festa da Bíblia através da RAI UNO, às 10.h em Itália e 9.h aqui. O Papa Francisco fez uma pequena alocução sobre o papel da leitura das Escrituras Sagradas na construção da própria identidade cristã. A Bíblia, na sua totalidade textual, é o documento vivo, sempre atualizável, da nossa Fé em Cristo Jesus, ponto de convergência dos textos sagrados e lugar de encontro com Deus e com os outros.
Entretanto, pela coxia da basílica, desfilava o habitual cortejo, em direção ao Altar, junto do baldaquino de bronze, com as suas quatro colunas salomónicas, obra de Bernini (1624-1633), sinalizando o lugar do túmulo de Pedro, que Jesus consagrou como a pedra angular da sua Igreja. Coube a Mons. Fisichella presidir à Eucaristia, sendo a homilia da autoria do Santo Padre, que o celebrante se limitou a ler.
Três grandes Bíblias de capa branca são colocadas em lugar de destaque.
A 1ª leitura focou-se na pregação de Jonas, o profeta contrariado e rebelde, enviado por Deus a pregar a conversão do Povo de Ninive, capital do novo Império da Assíria, na margem do rio Tigre. Jonas viveu no séc. VIII, no tempo do reinado de Jeroboão II (783-743) e partilhava as ideias nacionalistas do rei, segundo as quais, Israel tinha o monopólio exclusivo da Salvação. Tentando eximir-se ao apelo de Deus, tentou trocar-lhe as voltas. Deus apanhou-o, repreendeu-o e obriga-o a dirigir-se a Ninive a pregar a conversão, que foi acatada pelo rei e todo o povo pagão. A mensagem é clara: A Palavra salvadora tem uma dimensão universalista e os pagãos também têm direito a inserir-se no plano de Deus. O texto, escrito pelo século V a.C., já depois do exílio da Babilónia, tem uma ligação íntima com a novidade do Evangelho, que muitos pagãos aceitam com espontaneidade e alegria.
A 2ª leitura, tirada de 1ª Coríntios(7, 29-32), versa o tópico escatológico do fim dos tempos e a espinhosa questão do Matrimónio e do Celibato. “… o tempo é breve. De agora em diante, os que têm mulher vivam como se a não tivessem; os que choram, como se não chorassem… Porque este mundo de aparência está a terminar.” O Papa evita o processo retórico de Paulo, com as suas antíteses e contradições, à maneira rabínica, e aproveita o motivo da imprevisibilidade do fim (e da pandemia) para inculcar em nós a necessidade da atenção gentil e generosa que nos devemos uns aos outros, o amor gratuito e total que nos define como cristãos, independentemente do estado civil ou estatuto social -temática nuclear da Fratelli Tutti.
O trecho evangélico de Mc, 1, 14-22 foi objeto de um comentário sóbrio e simples, de acordo, aliás, com as caraterísticas do texto de Marcos, que o terá escrito antes de 70, reflectindo a catequese de Pedro aos romanos. O Papa Bergoglio surpreende-nos pela sua originalidade e o gosto do trocadilho: Vejam, João está parado num sítio a baptizar, recebendo as pessoas que o procuravam. Jesus, ao invés, vai à procura das pessoas que se encontram na margem, um grupo de pescadores rudes e ignorantes. Chama-os não com argumentos teóricos, mas indo diretamente ao coração. A sua Presença impõe-se, despertando logo uma relação de Fé e confiança total na Sua Pessoa.” Vinde…Deixando as redes, o seguiram.” Desenvolve, então, o tópico da vizinhança de Deus. “ Dio è vicinissimo alla nostra umanità” A sua Palavra consola, isto é, está perto de quem está só. Esta vizinhança divina cumpre-se inteiramente na Sua Palavra, que se traduz num convite ao diálogo, à comunicação e não ao solilóquio. Seria bom, insiste o Santo Padre, fecharmos a televisão, o “telefonino”, para abrirmos a Bíblia e fixarmo-nos num versículo ou num trecho com atenção. A Palavra que, através dos textos, se organiza em linguagem humana, com os seus códigos e géneros literários diversos “ O Verbo se fez Carne”, abarcando todos os âmbitos da vida, é uma “CARTA” que Deus nos envia para ser lida e compreendida, pessoal e comunitariamente.
No final, fez-se a Entronização das Escrituras Sagradas, segundo o ritual ortodoxo. A várias pessoas foi oferecida uma Bíblia, incluindo a um cego em Braille.
No programa À sua immagine, foi dito que a Bíblia é o livro mais traduzido e vendido no mundo. Em cada minuto, se vende uma Bíblia. Nas suas 800.000 palavras (número que, por motivos de ordem linguística, julgo não poder ser exato), se plasma o plano salvífico de Deus, sendo, ao mesmo tempo, uma fonte inesgotável de inspiração artística. Um ator confessou identificar-se mais com a figura de Noé, porque salvou todos os animais. Podia, ao menos esquecer-se dos morcegos e pangolins! Claro, continuou, o problema não está aqui, mas na ganância e crueldade do ser humano, que, tornando comestível o que, de si, não o é, provoca desequilíbrios bio–ecológicos insustentáveis e aberrantes. “Laudato SI” impõe-se, como regulador de uma nova ordem mundial.
Perdoem o meu atrevimento, mas vou indicar alguma bibliografia fundamental:
* Três bíblias a recomendar pelas suas introduções e aparato de notas: A da Difusora Bíblica, Capuchinhos, Lisboa/ Fátima; A Bíblia Pastoral, 2 vols, Ediclube, Alfragide, 1996, com ilustrações belíssimas de Gustave Doré; La Sainte Bible de Jérusalem. Paris, Du Cerf, 1956 (fabulosa! Um tesouro para quem a guarda, desde o tempo de Portalegre);
* A Interpretação da Bíblia na Igreja, Secretariado Geral do Episcopado, Lisboa, Rei dos Livros, 1993 (Uma esplêndida síntese dos métodos e formas de abordagem ao TEXTO BÍBLICO);
* Toda a obra do P. Carreira das Neves: Jesus de Nazaré. Quem és tu?; Jesus Cristo, História e Mistério, Ed. Franciscanas; Ler a Bíblia no século XXI. Lisboa, Ed. Presença.
* O Grande Atlas da Bíblia, Difusora bíblica.
* Quesnel, Michel, Jesus, o Homem e o Filho de Deus, Lisboa, Gradiva, 2005
* Lourenço. João Duarte, O Mundo judaico em que Jesus viveu, U.C.P. Lisboa, 2005 (O Professor João Lourenço tem orientado cursos bíblicos, de um ano, sistema misto online e presencial, com trabalhos escritos classificados. Frequentei com muito sucesso e felicidade pessoal). Na Universidade Católica, há uma Livraria aberta ao público, com obras atualizadas nesta área de estudo. Ver Tolentino Mendonça, A Leitura Infinita, a Bíblia e a sua Interpretação, Paulinas, 2ª ed. 2015;
* A revista Bíblica dos Capuchinhos, Difusora Bíblica, pedido a Rua de São Francisco, 160, Apartado 208, 2496-908, Fátima (assinatura anual 10 euros); E os Famosos Cadernos Bíblicos. Traduzidos e elaborados pelos maiores especialistas de Estudos Bíblicos. Cada um, à volta de 7 a 8 euros.
Se quiserem questionar alguma coisa, estou inteiramente à vossa disposição, pronto para aceitar qualquer espécie de crítica. Com esta idade, já não me zango!!!
Coimbra, João Lopes
NOTA: Meu Bom António
