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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

A Morte de Hans Kung

08.04.21 | asal

Meu Bom António, podes publicar esta humilde homenagem ao grande teólogo dos nossos dias? Para muitos de nós foi a Luz que nos guiou, ensinando-nos a pensar a Igreja em Igreja. UM Abraço no Ressuscitado, João Lopes

 

A Morte de Hans Kung (1928-2021) - (Em jeito de homenagem)

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O grande pensador dos sécs XX e XXI, que, por longos anos, dominou a cena da reflexão teológica, do diálogo entre os crentes de Abraão, conhecido pelo seu espírito combativo e  inconformista quanto à necessidade de reformas na Igreja, faleceu na passada terça-feira, dia 6 de Abril, na cidade de Tubinga, em cuja Universidade passou a maior parte da vida, dedicado com zelo apostólico e não menor rigor científico, à grande causa de Deus, das Igrejas e  à discussão, sincera e honesta, com o mundo crente e não crente.

  Nasceu em 1928, em Sursee, na Suíça. Ordenado sacerdote em 1954, estudou Filosofia e Teologia na Universidade Gregoriana, em Roma, passou por outros Institutos, indo a acabar os seus estudos na Sorbonne. Em Tubinga, por volta de 1959, defendeu a sua tese de doutoramento sobre um tema escaldante que atravessa o coração da teologia protestante e católica: “ A justificação: a doutrina de Karl Barth e uma reflexão católica”- Recorde-se  K. Barth como um teólogo protestante, nascido em 1886, que enfatizava o “ regresso” à Sagrada Escritura bem como a adaptação do Evangelho à linguagem do Tempo presente.

 A dissertação do jovem Kung  rapidamente se tornou uma referência na área do ecumenismo, como o testemunha o nosso professor Carreira das Neves, na sua magistral obra sobre Lutero, Palavra e Fé, Ed.Presença, 2014.  

  Em 1960, o jovem doutor, de 32 anos, assume o magistério teológico na Universidade de Tubinga, ao lado do seu colega Ratzinger. Apesar das suas posições contrárias, em quase tudo, menos na Fé em Cristo, entre si cultivaram uma profunda amizade. Com frontalidade e clareza, estonteante e dialética, Kung enfrenta,  de caras, os problemas do nosso tempo, com um espírito livre e ousado, isento de  constrangimentos dogmáticos:  o diálogo aberto entra as religiões, sem artifícios ou atalhos, a questão espinhosa da infalibilidade papal, dogma emergente do Vaticano I (1869-1870), um concílio dividido,  num ambiente de graves convulsões políticas, entre a facção francesa (reacionária) e a alemão (progressista); o papel das mulheres na Igreja, tão importante nos primeiros tempos do cristianismo, mas, depois, quase desprezado pelas lideranças masculinas, e a não menos decisiva questão da flexibilização do celibato eclesiástico, norma que o poder dos monges impôs à hierarquia.

  Apesar ou por causa das diferenças entre os dois mestres de Teologia, o Bom Papa S. João XXIII convidou-os para consultores do Concílio Vaticano II de 1962-65.

  Kung não desistia facilmente da causa ecuménica e do diálogo entre as religiões, que se lhe afigurava fundamental para a paz entre as nações. Vendo no caráter infalível do Papado um sério obstáculo, começa a investigar a fundo as causas políticas, históricas e bíblicas da sua  proclamação.  Por fim, as conclusões publicadas tendem a relativizar tal dogma, senão mesmo a eliminá-lo do horizonte da Fé Católica. Foi a gota de água… O tribunal da Doutrina da Fé, em 1979, retira-lhe a missio canónica, ou a licença de ensinar teologia em nome da Igreja, acusando-o de “ inventar” a sua própria doutrina… Só que o professor Kung já granjeara autoridade académica suficiente para continuar a ensinar e a escrever sem o encosto oficial. A suposta bomba mal o atingiu! Ademais, favorecia-o um método pedagógico, questionador, argumentativo e dialogante, que muito agradava aos seus alunos e leitores. E o legado da sua obra monumental aí está para o demonstrar! Uma Teologia para o 3ºmilénio (1987); Projeto de uma Ética Planetária (1990) origem de uma Fundação homónima; O judaísmo (1991);  o Cristianismo,  Essência e História (1994) e O islamismo, ainda recente. Em suma, três volumes de estudos que cobrem as três religiões do velho Patriarca, apresentados numa linguagem acessível a qualquer leigo, como era a intenção do autor. Por estes e outros como Os Grandes Pensadores do Cristianismo (1994/1999) passa a brisa de uma inteligência fulgurante, uma pesquisa exaustiva, uma ternura inesgotável pelos grandes textos da nossa civilização, e uma vontade enorme de dialogar, de compreender e ser compreendido, tudo brotando de um fundo humanista, habitado pela sede de Deus e o amor dos irmãos, unidos ou desunidos na Fé, mas todos partilhando a angústia de um mundo dilacerado pela guerra, esse absurdo horrível   que, em nome de Deus, (Que Deus!) implanta o inferno na sua própria terra.

 Em 2005, reuniu-se no Vaticano com o Papa Bento XVI para um jantar amigo. Evitaram discutir teologia, como se entre eles isso fosse possível! Dominava-os a devastação da pedofilia do clero, a Cúria e a sua reforma e as grandes questões do nosso tempo, que parece correr à margem da Igreja.

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 Em agosto passado, o cardeal Kasper pediu ao Papa  lhe mandasse a bênção porque o homem que fora seu professor, estava a morrer de Parkinson. Mesmo pensando no suicídio assistido, ele que sempre fora crítico e combativo, não terá deixado de se entregar nas mãos do Pai, que a todos acolhe no seu abraço de amor e perdão. 

João Lopes

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