A Globalização do medo (5)
Hoje, segundo vários comentadores, estamos a viver tempos que irão certamente alterar o nosso futuro, devido às profundas mudanças que já estão a ser implementadas, a nível global. Nada vai ser como dantes, é hoje uma das frases mais repetidas. Esta profecia não nos deve causar grande surpresa. Pelo que a história nos ensina, após a existência das crises virológicas, as sociedades afetadas mudaram substancialmente, com mais ou menos profundidade. Desde as pandemias da Grécia antiga às do Império Romano, das da Idade - Média às do séc. XX, com a pneumónica, a vida dos povos sempre sofreu profundas mudanças. O mundo pós- covid.19, provavelmente, também não será exceção.
Passados estes longos meses de guerra contra este inimigo invisível, a espalhar o medo, a doença e a morte pelo planeta e sem perspetiva de o podermos vencer a curto prazo, importa que comecemos a pensar nos tempos que aí vêm, que certamente irão mudar muito as nossas sociedades.
Comecemos por tentar fazer um breve balanço do que fomos aprendendo ao longo dos penosos e infindáveis meses de confinamento. Segundo experimentámos, fomos sentindo que aquilo que considerávamos essencial para a nossa vida, não era assim tão indispensável, como pensávamos, antes de ficarmos confinados. Pois que, o cuidar dos milhares de doentes infetados pelo vírus e dar sepultura digna a mais de um milhar de mortos no nosso país tornou-se o mais preocupante e urgente.
Felizmente, o comportamento cívico dos cidadãos, da oposição e das várias Igrejas, não se manifestou em movimentos de grande contestação, face às medidas consideradas indispensáveis e sensatas que foram emanando do nosso Governo. Tal não aconteceu noutras partes do globo, como na América do ignorante Trump, e no Brasil do irresponsável Bolsonaro, onde as contínuas telenovelas do diz e desdiz, relativas à pandemia, geraram fortes movimentos de revolta. As suas fracas lideranças acabaram por conduzir uma boa parte das populações à morte, a qual poderia ter sido minimizada.
Face ao que temos verificado, pudemos constatar que o nosso Serviço Nacional de Saúde, servido por heroicos profissionais, tornou-se a boia de salvação nas horas amargas que passámos. A sua resposta, embora com falta de meios, de um modo geral, conseguiu dar resposta às necessidades sentidas. Irmanados no mesmo sentimento de medo, lá fomos descobrindo que a solidariedade entre todos nos tornou mais humanos. Sentindo-nos no mesmo barco, aprendemos que a sorte ou a desgraça de uns tocaria a todos.
Nestes dias, fomos ainda tomando consciência de que tivemos muitas culpas, no modo de como cuidámos dos nossos idosos, fechados em lares, longe das suas famílias, durante muitos dias.
Face a este breve diagnóstico, importa refletir no que poderemos esperar para os dias que aí vêm, após esta pandemia que nos reteve em casa alguns meses.
Face a um futuro imprevisível, salta-nos logo a interrogação, relativa ao futuro da globalização que foi medrando nos últimos tempos. E ainda, quais as formas de trabalho e de ensino que vão ser implementadas no futuro?
Embora lidemos com grandes incertezas, o que já todos estamos a verificar é que muito irá mudar a nível global. Nos países mais ricos e nos mais pobres. Segundo é nossa convicção, o mundo futuro, após esta pandemia, irá construir-se em novos parâmetros.
A nível político, tudo se irá passar num forte confronto económico, sobretudo, entre os Estados Unidos, a China e a Europa. A rota da seda chinesa aí está para desafiar o poderio tradicional dos Estados Unidos, que sai muito enfraquecido desta pandemia, favorecendo a China. A fome, o desemprego e a falta de líderes capazes no Brasil e nos Estados Unidos, não ajudarão estes países que se fecharam na sua arrogância. Quanto à Europa, colocada entre estas duas potências, terá que se reindustrializar, apostar na investigação e nas novas tecnologias, tentando, deste modo conseguir maior autonomia, face às suas necessidades.
A nível social, de um modo assustador, está a formar-se um mundo de vigilância, de controlo e medo, de fome e de pobreza, que não sabemos onde nos poderá conduzir. Por outro lado, desta pandemia também poderá estar a nascer um mundo melhor ou pior. Numa sondagem no Reino Unido, feita em março, os jovens dizem confiar mais em Estados autoritários do que nas democracias, para lidar com as crises. Pensemos neste alerta.
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