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Olá António! Já que estamos em maré de histórias, aqui vai um relato de uma das minhas vivências recentes. Não sei se tem algum interesse para publicar no nosso blogue. Um abraço do Alcino Alves
Dendrofobia
Medrava no quintal da minha vizinha um imponente e lindíssimo cedro. Fora plantado em 1982, por ocasião de uma campanha de reflorestação de terrenos de pinhais ardidos, cujas novas árvores, doadas pelo Governo, ficaram conhecidas por “pinheiros do Balsemão”, alusão à iniciativa do primeiro-ministro de então.
Por várias vezes a vizinha – a D. Deolinda – exprimiu vontade de abater aquela árvore com receio de que ela viesse a cair, causando estragos na vizinhança, eventualidade pouco provável já que o pinheiro, como ela lhe chamava, tinha um aspeto bastante saudável e estava bem enraizado, considerando o tipo de solo em que se encontrava implantado. Sempre que ela aludia à sua intenção e eu lhe pedia que não cortasse a bonita árvore, ficava muito admirada porque, na opinião dela, os vizinhos nunca gostam de árvores nos quintais ao lado, por lhes fazerem sombra ou lhes sugarem os nutrientes. Não era o caso e nunca acreditei que o abate se viesse a concretizar.
Um dia destes, manhã bem cedo, ouvi o roncar de motosserras no quintal da D. Deolinda. Fiquei alarmado e fui de imediato ver o que se passava. Lá estavam dois carrascos empoleirados no magnífico cedro, num frenesim diabólico, a derrubar pernadas e ramos e a preparar o corte do eixo central.
Interroguei o Gabriel, filho da vizinha, que assistia imperturbável ao medonho espetáculo. Insensível, respondeu, laconicamente, que era esse o desejo da mãe.
Impotente, depois de manifestar o meu grande desgosto por tal ação, regressei a casa.
Ao fim da tarde, no amplo relvado do jardim, que mais parecia um teatro de operações de uma terrível batalha campal, jaziam os restos do que tinha sido um maravilhoso ser vivo. Como se isto não bastasse, fui dar com os obreiros e vizinhos a piquenicar em alegre contubérnio, como que a festejar o acontecimento.
No dia seguinte, fui abordado pela D. Deolinda, que me perguntou com ar sorridente: “Então, vizinho, não acha que o quintal agora está mais alegre?” Era o cúmulo da insensibilidade pelas coisas belas da Natureza! Limitei-me a responder: “Acho que agora está mais triste. É pena que a paisagem tenha sido mutilada desta forma infame”.
Alcino Alves
NOTA: Alcino, mas este, o da foto, ainda cresce na minha rua!!!
António, bom dia.
As memórias do Mário Pissarra provocaram-me. Aqui vão estas letras... Prometi ao Florentino escrever sobre os ciganos, na sequência do seu texto de Maio e cumpri agora a promessa. AH
A minha Jamaica
Cada um tem a sua visão do bairro da Jamaica, no Fogueteiro, que andou a circular nos jornais e televisões pelas razões mais enviesadas, ao gosto dos interesses políticos.
Na minha história, também este bairro consta, embora fosse mais conhecido como o Vale de Chícharos. Por lá passei muitas vezes, por lá me quedei em conversa com as suas gentes, muitos imigrantes de São Tomé e Príncipe, gente boa, e ainda algumas famílias ciganas. Estávamos nos últimos anos do milénio anterior e uma associação de nome CEFEM - Centro Europeu de Formação e Estudo das Migrações – porfiava em olhar para aqueles fenómenos sociais, ao gosto da Congregação Scalabriniana, que tinha tomado conta da paróquia de Amora.
A verdade é que a mesma associação ia mudando de foco e de abordagem, de acordo com os seus responsáveis. De objeto de estudo e reflexão, de âmbito universitário, passou a centro de ação social quando o P. António Bortolomai (na foto) tomou conta dele. E foi nesse tempo que eu também fui arrastado para a direção da associação, sem saber das tensões internas entre os clérigos que viviam no Seminário. Nestas circunstâncias, manda quem pode e o CEFEM foi atirado para fora dos belos espaços de que dispunha, tendo de procurar casa, que a Fundação Estrada nos outorgou durante algum tempo em Belverde.
E o que é que nós fazíamos? Os voluntários da associação tinham em vista a integração social e o desenvolvimento cultural daquelas gentes, que viviam em prédios abandonados de paredes nuas, sem portas nem janelas, que cada família ia ajeitando ao seu gosto e saber, à falta de uma habitação digna.
Faziam-se cursos práticos de trabalhos domésticos para as africanas poderem servir como empregadas, elas que não conheciam os aparelhos, os produtos e os costumes das nossas casas. Ou concorríamos a cursos oficiais, pagos pela Segurança Social, para que alunos africanos e ciganos ganhassem competências profissionais – cozinheiros, empregados de mesa, pintores, eu sei lá… Horas e horas seguidas de contacto e convivência entre nós e eles e entre eles próprios, uns com os outros, com pensar e modos de viver bem diferentes, talvez tenham ajudado na evolução de muitos.
Acrescente-se a envolvência religiosa, sobretudo para os africanos, que os ciganos tinham a sua “Igreja de Filadélfia” e alguns até chegaram a «pastores» (sentia-se mudança de comportamentos, sim senhor!). Eu próprio dava catequese num contentor colocado no Vale de Chícharos pela Câmara do Seixal. E havia missa mensal naqueles espaços maltratados, com o apoio de um cafezinho do bairro. Até o Sr. Bispo lá foi celebrar um dia e provar a cachupa que os habitantes prepararam para a festa.
Durante anos, fomos assistindo à alteração das condições de vida de muitos, construíram-se prédios de habitação social ali bem perto da Jamaica, onde ainda hoje vivem os nossos antigos “alunos”, já em casas aceitáveis, sempre assistidos pelo Banco Alimentar contra a Fome, outro serviço que o CEFEM propiciava a dezenas de famílias.
Mas o curso que mais marcou esta etapa do CEFEM foi o de “Mediadores socioculturais” (1999?), que para alguns ciganos foi a base de crescimento social, tornando-se eles intermediários entre a população e os serviços públicos, facilitando as relações, promovendo a proximidade e a compreensão dos próprios serviços, a começar pela escola. Estes mediadores foram assumidos por algumas câmaras, aproximando e explicando diferenças culturais e dando a conhecer as riquezas de cada um. Lembro que podem consultar no Google "Olga Mariano", uma nossa aluna que conseguiu tirar uma licenciatura, ela uma das criadoras da AMUCIP e das LETRAS NÓMADAS.
Para terminar, lembro ainda uma realização festiva no Pavilhão da Quinta da Princesa (outro bairro habitado sobretudo pelas etnias africana e cigana), na presença da ministra da Saúde de então, a Dr.ª Maria de Belém Roseira, em que se conseguiu apresentar uma dança com africanas vestidas de ciganas e vice-versa, sinal de aproximação e não sinal de fusão ou confusão entre mentalidades. As fotos são dessa festa.
As mentalidades demoram a evoluir. E eu desse tempo lembro o baixo nível cultural de alguns “alunos” (pais de família que não sabiam ver as horas no relógio ou enumerar por ordem os meses do ano!) ou a sua fraca perceção das regras sociais…
Eu sei lá, fiquei desses anos com alguma simpatia por esta gente…
António Henriques
Faz hoje 66 anos o José do Carmo. Segundo a sua página do Facebook, é natural de Mação e vive no Sardoal. Profissionalmente, está ligado ao Ministério da Educação como professor, se é que não se encontra já em pleno gozo da sua jubilação.Aqui ficam os PARABÉNS sinceros dos teus antigos colegas de Seminário, com votos de muita saúde e felicidade. Quando nos encontramos?