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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

Palavra do Sr. Bispo

01.04.22 | asal
VERDADES PARA O DIA DAS MENTIRAS

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Já que ninguém enxerga qualquer razão para o fazer, o Outro, à míngua de quem se chegue à frente e lhe faça esse jeito, passa ele mesmo o tempo a elogiar-se a si próprio. E o Outro é sempre alguém, masculino ou feminino. O que esse outro fez ou está a fazer é por si elevado à mais alta potência, com entusiasmo e resiliência. Desculpem por usar resiliência, mas é que esta palavra resiliência, hoje, está na moda, é ‘in’, salva o discurso do aprendiz e do menos aprendiz, é muitíssimo mais importante do que a descoberta do caminho marítimo para a Índia!
A experiência estudantil diz-nos que as potenciações matemáticas não são coisa fácil. Mas é interessante perceber também os meandros destas outras operações potenciais em busca de aplausos. Faz-se crer que nunca ninguém fez ou está a fazer o que eles fizeram ou fazem, nem jamais alguém será capaz de o vir a fazer. Acho que deve ser por isso mesmo que os cemitérios estão cheios de gente que se julgava insubstituível. Morreram, e nós cá vamos, a vida e o mundo continuam sem as hecatombes pelos mesmos imaginadas. Se é verdade que ninguém está a mais e todos temos o nosso lugar e somos necessários, ninguém é insubstituível. A sabedoria do povo tem um ditado inteligente que traduz este zelo humano: ‘Gaba-te cesta que vais à vindima’.
De facto, como diz o senso comum e mais não sei quem, é muito mais salutar que sejam os outros a reconhecer e a realçar o trabalho de alguém, se trabalho excecional houver, do que esse alguém se colocar em bicos de pés numa azáfama de se querer promover. Aliás, sob o sorriso irónico de uns e a adulação sarcástica de outros, pois todos os zombeteiros sabem tirar partido destas evidências.
O que se faz no cumprimento do próprio dever, dentro da atividade ou da responsabilidade humana para a qual se foi nomeado, eleito ou mandatado, é uma obrigação fazê-lo. Regra geral, quem serve com reta intenção e verdadeiro espírito de serviço em fidelidade à sua missão ou à responsabilidade do cargo, mesmo quando os outros reconhecem o seu trabalho e até lhe estão muito gratos, nunca julga que fez o suficiente. Pensa sempre que poderia ter feito mais e melhor e sente-se penalizado por, de facto, não ter ido mais além. E não é por fingimento ou falsa humildade. Na sua maneira de ser e estar, assentam-lhe bem as palavras de Jesus: “quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram fazer, dizei: Somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos ter feito” (Lc 17, 7-10).
Não raro, àqueles que se exaltam o tiro sai-lhes pela culatra. A título de exemplo, e para libertar o leitor de qualquer tentação de querer enfiar a carapuça em alguém com essa habilidade, o que, aliás, seria mera coincidência, torno presente o que aconteceu a um outro em busca de elogios fáceis. Nas lonjuras dum tempo há muito ido, lá pelas montanhas daqueles sítios em guerra, uns arqueiros filisteus atingiram o rei Saúl e mataram os seus filhos.
Saúl, ferido e naquelas circunstâncias, receando que os inimigos o viessem a encontrar, ultrajar e humilhar ainda mais, pediu ao seu escudeiro que desembainhasse a sua espada e o matasse de vez. O escudeiro, porém, cheio de medo ou de lá o que fosse, negou fazer tal serviço ao seu rei, o rei de Israel, o ungido. Então, Saúl, pega ele próprio na sua espada, atira-se sobre ela e põe fim à vida. O escudeiro não resiste ao macabro espetáculo. Vendo-o morto, faz o mesmo. Atira-se sobre a sua espada e morre junto do rei. No dia seguinte, os filisteus vieram saquear os mortos e encontraram o rei Saúl naquele estado. Levaram-lhe a cabeça e as armas, espalharam a notícia da sua morte, espetaram o seu crânio para lá numa parede (cf. 1Cr 10, 1-14). Quando alguns israelitas souberam o que tinha acontecido ao seu rei e o que lhe tinham feito, puseram-se a caminho e foram buscar o seu cadáver e o cadáver dos seus filhos. Queimaram-nos e enterraram-nos debaixo duma tamareira (2 Sm 1, 1-16). Se a Bíblia, mais do que mostrar como o rei morreu, nos pretende dizer que tudo o que lhe aconteceu foi uma consequência da sua rebelião e afastamento de Deus (1Cr 10, 13-14), tudo isto não deixou de ser uma desgraça para uns, uma alegria para outros e uma possível oportunidade para o outro de que falamos.
David regressara duma peleja vitoriosa contra o povo amalecita, e estava nuns dias de descanso. Eis senão quando, aparece-lhe um homem andrajoso que afirmou vir do acampamento de Saúl. Prostrou-se por terra diante de David e desfez-se em salamaleques, com profunda reverência. David perguntou-lhe de onde é que ele vinha e ele, com certeza de resposta estudada, não se fez esperar: “Escapei do acampamento de Israel”. David, muito curioso, pergunta-lhe o que é que tinha acontecido por lá. E disse ele: “As tropas fugiram do campo de batalha, muitos tombaram, Saúl, assim como seu filho Jónatas, pereceram”. David insiste: “Como sabes que Saúl e o seu filho Jónatas morreram?”. Logo respondeu que, por mero acaso, estava por perto e viu Saúl atirar-se sobre a própria lança, enquanto os carros e os cavaleiros o perseguiam. Como Saúl o tivesse visto, afirmou que Saúl o chamou e lhe pediu que acabasse com ele porque estava em agonia e não podia sobreviver à derrota. Tendo aceitado o pedido e pensando que David iria ficar contente, apresentou-lhe o diadema que Saúl tinha na cabeça e o bracelete do seu braço (cf. 2 Sm 31, 1-13).
David, e todos os que estavam com ele, rasgaram as vestes, prantearam, choraram e jejuaram até à tarde, por amor a Saúl, a seu filho Jónatas, ao povo do Senhor e ao povo de Israel, porque tinham sido passados ao fio da espada. Mas David acabou por explodir: “Como é que tu não receaste levantar a mão para matar o ungido do Senhor?”. E acrescentou: “Só tu és o culpado da tua morte. A tua própria boca deu testemunho contra ti ao dizeres: 'Matei o ungido do Senhor'”. Sem meias medidas, David chamou um dos seus homens e deu-lhe ordem para acabar com ele. Mentindo, fabulando, pensando que seria uma boa notícia para David, quis passar por ter sido ele o herói, concretizando o que, de facto, não fez, isto é, quis fazer crer ter sido ele quem matou o rei. Com muita pena nossa, nem sequer conseguiu uma placazita lá no princípio da calçada, no coreto, no largo da terra ou no beco da esquina. Paciência, são sortes!
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 01-04-2022.

Pobreza, uma palavra que dói

01.04.22 | asal
Caro Henriques, aí te envio uma humilde colaboração. Espero que tirem algum fruto dela. Nem que seja para discordar. Obrigado a todos.
Um forte abraço a toda a nossa gente de bem. Florentino
 

Só a solidariedade trata desta feridaFlorentino_beirao.jpg

Nos tempos que vivemos, com a pandemia ainda viva e os efeitos nefastos da guerra, provocada pela invasão da Rússia à Ucrânia, não há palavra mais salivada do que solidariedade. Sobretudo, quando nos referimos a cerca de dois milhões de ucranianos que, de mala na mão, tiveram que fugir das suas habitações confortáveis, rumo ao desconhecido. Filas e filas de crianças, raparigas jovens e gente mais velha, enchem comboios onde habita um vazio de sentimentos e montanhas de incerteza quanto às suas vidas truncadas pela guerra que tem deixado as cidades vazias e habitações desventradas. As imagens que nos chegam deixam-nos o coração destroçado, face a esta guerra, acompanhada em direto diariamente. Um conflito sangrento, atroz e sem sentido, provocado pela avidez de um Putin autocrata, imperialista e insensível, face ao sofrimento alheio.

Se já a pandemia nos cortava o coração com números diários de mortos, agora temos que recolher milhões de desalojados ucranianos a correr com as suas crianças pela mão, rumo ao desconhecido.

Face a toda esta conjuntura de sangue e lágrimas, a palavra solidariedade ganha mais força e pertinência. Felizmente, muito são já os exemplos de tantos, sobretudo de artistas jovens, que já se encontram a praticar esta palavra de ouro. Ser solidário para com os refugiados da Ucrânia impõe-se hoje a todos nós, que guardamos nos nossos corações e praticamos com as nossas mãos pequenos gestos que vão alimentar a vida de tanta gente sofredora que todos os dias fogem do seu país, para salvarem as suas vidas, deixando para trás todo o conforto que as suas casas lhes ofereciam. Recordemos os nossos irmãos que há poucos anos viveram a mesma experiência, quando tiveram também de deixar os seus bens nas nossas antigas colónias em África. Serão muitos os que hoje assistem a esta debandada ucraniana, revivendo a sua dolorosa experiência, ainda bem viva.

Valeu também a estas pessoas a solidariedade do nosso país, sobretudo dos seus familiares que os receberam de braços abertos, com toda a generosidade deste mundo.

Por todas estas considerações, mais viva tem de ser em nós a vontade de ajudarmos tantos que nada mais trazem do seu país senão a roupa que vestem. Louvado seja o gesto da diocese de Portalegre - Castelo Branco, na pessoa do seu bispo D. Antonino, que colocou à disposição dos governantes algumas casas diocesanas onde vão ser albergadas mais de uma centena de famílias ucranianas.

Mas esta responsabilidade solidária não só deve mobilizar as instituições da Igreja e do Estado, como cada um de nós. Ninguém pode ficar para trás porque esta hora é de solidariedade para os que nos batem à porta, à procura de uma mão amiga que lhes dê o pão e o carinho que todo o ser humano merece.

A cada um a responsabilidade de ser solidário, face às prementes necessidades dos outros.

Hoje, são eles, mas amanhã, não sabemos o que nos espera num mundo tão complexo e cruel. O ímpeto inato de sermos solidários deve ser o antídoto face a este mundo natural a ser destruído em nome do imperialismo e do lucro.

Mas a solidariedade para com os ucranianos não nos deve levar a esquecer os cerca de 20% dos portugueses que vivem hoje em situação de pobreza. Com uma classe média a desaparecer e os muito ricos a medrarem, por vezes com a corrupção, o nosso país encontra-se numa situação explosiva, socialmente falando. Como sabemos, mais 230 mil portugueses vivem na pobreza, nomeadamente, fruto da pandemia. Entre estas pessoas, as mulheres foram as mais prejudicadas, a par dos desempregados e das famílias monoparentais, com crianças: uma em cada três é pobre.

No ano passado, o primeiro da pandemia 1,9 milhões de portugueses em situação de pobreza, isto é, obrigados a viver com menos de 554 euros, encontrava-se nesta deprimente condição.

Recorde-se que o INE, em 2020, ano que consubstancia o retrato das condições de vida pós- pandemia, mostra que 18, 4% dos portugueses estavam abaixo da linha de pobreza, mais 2,2 pontos percentuais do que no ano anterior. São mais 228 mil pessoas atiradas para a pobreza. Com os preços a subir diariamente, da gasolina ao pão, o futuro não se mostra risonho.

Hoje, ser solidário é responder às múltiplas necessidades do nosso tempo.

 florentinobeirao@hotmail.com

Um poema

01.04.22 | asal
Meu Caro António
Com o propósito de colaboração para o ANIMUS, aqui vai um modesto trabalho que, já sabes e tenho-te dito, se não se coadunar com o estatuto do blogue, estás à vontade para não publicar. Um abraço do Zé Maria
R .- Como poderia eu rejeitar todo este talento? AH

                                       

COMO VEJO O MEU ANJO DA GUARDA, EM JEITO DE POESIA

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ANJO é matéria
Que não é matéria.
Corpo de ANJO ao sol não tem sombra.
ANJO celeste de Deus mensageiro
Não dorme, vigia-me a tempo inteiro,
Mensageiro entre Deus e os humanos
Sejam pobres,ricos ou soberanos.
Diz-se: ANJO DA GUARDA, minha companhia
Guarda a minha alma de noite e de dia.
Guarda-me nos momentos de solidão
De sofrimento e aflição.
ANJO é guarda, é protector,
É guia, tem-me amor.
Os ANJOS levam os inocentes para o céu
Quentinhos, envoltos em véu.
Tocar num ANJO não se sente,
Falam a língua do coração, suave, meiga e doce, sem pressão.
ANJO é místico, misterioso e espiritual, 
Mundanário, etéreo e celestial;
ANJO é custódio, veículo de transição.
Quando eu sair deste Mundo, dar-me-á a sua mão.
Não fui eu a escolher o meu ANJO
Foi ele, se gostou de mim, que me escolheu.
Ao atravessar a passadeira
Com sinal vermelho
Disse-me baixinho: Zé Maria, fizeste asneira.
Penso o ANJO como iconografia tradicional
Criança linda com amor paternal; 
ANJO é doçura, é bondade,
Coração de ANJO é pequenino,
Inocente, puro, columbino.
Quando choro, abatido
As minhas mágoas dolorosas
O ANJO sussurra-me ao ouvido:
Anima-te, este Mundo não são rosas.
Digo-lhe baixinho
Com calma e carinho:
Tens olhos suaves de aurora nascente
Excelso, formoso, magnânimo e quente.
Nunca me deito quando não estou tranquilo
Sombra fatal que me acompanha noite e dia,
E a meu lado quando rezo a Jesus e a Maria.
A vida pára, eu já a não sinto
E se falo, meu ANJO, é para dizer que não minto.
Já não oiço o meu coração,
Passou por mim o ANJO e eu lhe grito:
Não me abandones, não me dês por proscrito.
Uma pomba em ANJO ebúrneo e triste
Virá buscar-me, enfim, para levar a minha alma,
Alma se alma existe.
Vais comigo, ANJO meu, a ver-me enterrar
Num buraco fundo, 
Ficas livre, deixas de proteger-me neste Mundo.
Um dia as ninfas dançarão com os ANJOS do Senhor
E na cruz que matou Jesus há-de nascer uma flor.
 
Zé Maria Lopes