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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

Lenda da Sertã

23.03.22 | asal

Suponho que todos os nossos leitores conheceram o nosso querido Amigo, Colega, Condiscípulo, Joaquim Nogueira.

Cada um de nós recorda-o, com certeza, de maneira diferente, de acordo com o tempo ou data que o teve por perto.
Desde o meu segundo ano do Seminário, no Gavião, até à minha saída de Alcains, no ano lectivo 1947/48, tivemos um são convívio de amizade e camaradagem.
Como muitos sabem, eu fui funcionário do "Diário de Notícias" e de entre algumas centenas de colegas conheci vários e grandes jornalistas, incluindo um, Viale Moutinho, que trabalhava na redacção do Porto.
 De alguns livros que este jornalista publicou, um deles teve por título " Lendas de Portugal".
Ainda no prelo, li algumas lendas já reunidas e chamou-me a atenção uma respeitante à "aldeia" da Sertã. Digo aldeia, porque essa lenda acontece quando a Sertã ainda era aldeia e quase reduzida a um castelo.
Num dos muitos momentos que passei com o Joaquim  Nogueira, as conversas são como  as cerejas e falámos, por acaso, de histórias e lendas. Foi aí que eu lhe disse saber duma lenda da Sertã, prometendo-me trazer-lha escrita numa próxima oportunidade.
Quando do lançamento do segundo livro da autoria do Joaquim Nogueira, ele lembrou-se da tal lenda que eu lhe havia prometido, mas quis o destino que nunca arranjei oportunidade de lha trazer escrita, embora lha tivesse contado, resumidamente.
Agora que tivemos a infelicidade de o perder para sempre, lembrei-me do assunto e fiquei com a mágua  duma promessa não cumprida, daí que peço ao nosso querido Amigo, António Henriques, a publicação, se entender, desta lenda, sendo como que uma homenagem que presto àquele nosso saudoso Amigo.
Pode ser que o seu espírito ande por perto e esteja atento ao nosso blogue. Ficava, assim, saldada a minha dívida.
 
LENDA DA SERTÃ - A ARMA DA CELINDA 

José Maria Lopes.JPG

Viriato, assassinado pelo longo e traiçoeiro braço de Roma, foi substituído na defesa da Lusitânia por um homem chamado Sertório, romano exilado. Sila odiava-o desde os tempos em que Sertório apoiara a causa de Mário, e perseguia-o a ele e aos seus amigos lusitanos. Mas das três ou quatro vezes que lhe mandaram legiões para o eliminarem,  sempre a estratégia do romano, que sabia como os outros romanos pensavam, os esmagava com a maneira guerrilheira que os lusitanos tinham de lutar. E os Montes Hermínios eram território em que se moviam bem os valentes lusitanos.
Pois as tropas lusitanas atravessavam uma aldeia. Vinham vitoriosas, comandadas por Hirtoleio, questor de Sertório. Esperava-as um período de repouso para retemperar as forças e de novo cairiam com gosto sobre os romanos, que não lhes largavam os calcanhares. E dentre os lusitanos que ali iam, o mais alto deles, um jovem de ombros largos, olhava para as casas com particular atenção. De repente, abriu-se uma porta e uma rapariga correu para ele gritando-lhe o nome:
 - Marcelo!
Abraçaram-se. Era Celinda, a namorada do militar. Ela queria que ele ficasse já na aldeia, que era a deles, mas o rapaz tinha ordem de se apresentar pessoalmente a Sertório.  Hirtuleio apreciara-o em combate e enviara uma mensagem ao chefe, recomendando que lhe fosse dado um lugar de responsabilidade.
 - Só aparecem coisas destas para nos afastar um do outro - queixou-se a rapariga - Quando acabarão estas lutas?
 - Quando corrermos com os romanos desta terra.
Nisso Celinda estava de acordo e o pé atrás que tinha contra Sertório não era só porque ele lhe afastava o namorado de casa, mas também porque se tratava de um romano. Amigo dos lusitanos, mas romano.
Daí a alguns dias, quando regressava à sua aldeia, Marcelo trazia a boa nova de ter sido nomeado governador do castelo de lá. Casar-se-ia com Celinda e ali ficariam como sentinelas da Lusitânia, com oficiais e soldados às suas ordens. E os meses seguintes foram calmos e felizes para os recém-casados.
Mas um dia, os romanos aproximaram-se demasiadamente do castelo daquela aldeia e Marcelo saiu a combatê-los. Houve recontros sangrentos e Marcelo foi gravemente ferido. Celinda estava a cozinhar quando os romanos conseguiram entrar no castelo havia já lusitanos descoroçoados. Mas ela, munida de uma sertã com azeite a ferver, deu-lhes combate directo, o que galvanizou de novo as forças defensoras do castelo, que conseguiram expulsar dali os romanos.
Enquanto combatiam, Marcelo, muito ferido, foi introduzido na fortaleza por uma porta falsa e imediatamente tratado. Celinda estava na primeira linha de combate, espantando os romanos por verem uma mulher assim enfurecida contra eles. 
A arma da castelã acabaria por dar o nome à então pequena aldeia, hoje uma bela terra - SERTÃ.
 
Um abraço aos nossos leitores do Zé Maria Lopes