Ser católico “é uma coisa firme”
De "7 Margens"
Não sou, de longe, a melhor pessoa para evocar o Jorge Silva Melo. Estive com ele meia dúzia de vezes, sempre sem demora. No entanto, havia nele uma generosidade capaz de estabelecer laços de proximidade, mesmo em curtas conversas de chat de facebook. Numa dessas conversas falei-lhe da primeira vez, em 2005, em que o vi presencialmente, na estreia de Perdoar Helena, de Tolentino Mendonça, no Teatro Taborda, na Costa do Castelo, onde então estavam sediados os Artistas Unidos. Ele, fundador e director da companhia, encenador da peça, estava à entrada da sala a verificar os bilhetes dos espectadores. Contei-lhe isso e ele comentou: “Gosto muito de fazer essas tarefas aparentemente menores no Teatro.”
De Deus, da Igreja, de sermos católicos, pouco ou nada, além de uma ou outra subtileza, um ou outro piscar de olho. Sobre esses assuntos remeto para a belíssima conversa que teve com Maria João Avillez na Capela do Rato, no dia 21 de Outubro de 2015.
Dessa conversa fica(-me) a sensação de que assume o ser católico como um acto de rebeldia. Um fulgurante acto de rebeldia. Anos mais tarde, numa entrevista saída na edição do Verão de 2019 da revista LER, quando Filipa Melo lhe pergunta se continua a afirmar-se católico, responde “Foi uma coisa firme. É uma coisa firme. O catolicismo formou-me numa série de princípios, dos quais não abdico.” E não posso deixar de pensar que, no testemunho de solidariedade que deixou a Mamadou Ba, em Fevereiro de 2021, são esses princípios do catolicismo que o fazem citar um verso de A Internacional – “Uma terra sem amos” – a que acrescenta: “sem acabarmos de vez com o capitalismo, não poderemos nunca ser iguais.”
Depois, o seu fascínio pelo episódio da transfiguração narrado nos evangelhos (Mateus 17, 1-9; Marcos 9, 2-8; e Lucas 9, 28-36), que aparece amiúde referida nas suas obras, como, por exemplo, a personagem que o evoca por duas ou três vezes no filme Ninguém Duas Vezes, de 1984. É com entusiasmo que fala dessa cena, na referida conversa da Capela do Rato, num trecho que não resisto a transcrever: “…e depois há aquela coisa que é o desígnio de todos os artistas (acho eu), que é o São Pedro… que era o mais simpático de todos, sempre com o coração ao pé da boca… o São Pedro que diz ‘vamos é fazer aqui três tendas e… ficarmos aqui para sempre’. Portanto, Jesus terá rompido a matéria e o espaço, São Pedro queria parar o tempo! E parar o tempo é a ambição de todos nós, nas artes. É o famoso verso do Lamartine: ‘Ó tempo, suspende o teu voo’… é ficarmos… sem a deterioração, sem a morte, sem a rosa a cair. Queremos o momento em que está… o esplendor da divindade, da humanidade, o esplendor da flor.”
Intercede por nós, Jorge, aí, junto do Deus do amor e do perdão.
Rui Almeida é poeta