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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

Vozes de burro...

23.12.18 | asal

Qual é o lugar do ser humano na escala?

 

Pissarra.jpg

“Hoje, ao chegar ao 53 para tomar o café matinal, deparei com um guardanapo que havia sido retirado da caixinha que estava sobre a mesa. O guardanapo estava escrito e assinado. A assinatura era "o burro Amaro da Silva".

Não resisti à curiosidade e li-o. Achei-o interessante e por isso o transcrevo:

«Depois de passar a densa cortina smog (mistura de fumo e nevoeiro a explicação é minha) em torno do PAN e acólitos sobre os provérbios em que figuram animais, tentei reformular três deles. Eis a nova versão.
1. “A pensar morreu um burro”. Nova versão: «há burros que julgam que pensam e com esta ilusão morrem em paz». [Procurar uma versão mais satisfatória] 
2. “Só os burros não mudam de opinião». Nova versão: «há burros que nunca mudam de opinião». [Explicação - a realidade é que tem de mudar e obedecer ao seu pensamento]
3. “Vozes de burro não chegam ao céu». Nova versão: «as vozes de burro já chegaram aos media». [Calma – a distância entre a Terra e o Céu é infinita]

Observação: comparar este tipo de pretensões daqueles que não vêem ou se esquecem:

1. As coisas têm preço e as pessoas dignidade;
2. Considerar que as pessoas e os seus comportamentos podem ser comprados e vendidos é reduzi-las a mercadoria;
3. Aceitar que tudo tem um preço, incluindo as pessoas e as suas acções, é retirar-lhes a sua dignidade e reduzi-la a coisas;
4. Discutir o mínimo económico para ter uma vida digna, não é meramente uma questão económica mas uma questão de Dignidade do Ser Humano.
5. Os seres humanos têm na Carta dos Direitos Humanos a garantia da defesa da sua Dignidade.

Pergunta: para os senhores do PAN e afins, na hierarquia do ser pessoa no sentido jurídico – ser sujeito de direitos – qual é o lugar do Ser Humano na escala?”

Por achar interessante o escrito, aqui o publico na esperança de ser uma forma possível de o seu autor o reencontrar. O Amaro, da Silva, apesar de assinar como burro, deve ter apreendido algo sobre o verdadeiro espírito natalício.
Mário Pissarra

Sidonismo, 100 anos depois (2)

23.12.18 | asal

Florentino2.jpgMeu bom Amigo

Aí te envie a segunda dose sobre o malogrado Sidónio Pais. Sei que é um assunto triste nesta Quadra Natalícia. Mas não tenho culpa de o terem liquidado em vésperas de Natal. O criminoso não escolhe a altura do ano. Ataca quando menos se espera. Para não desligar os dois artigos, aqui vai a continuação do assunto. Votos de Boas Festas para ti, família e para os nossos companheiros de jornada. Para todos, um abraço festivo e solidário. Cristus natus es nobis....venite adoremus. f. Beirão

 

O tiro e a queda de um messias

Como verificámos, um ano do governo messiânico de Sidónio Pais não conseguiu melhorar, de um modo significativo, a situação social, política e económica do país. Num volte face, logo em abril de 1918, regressou a censura à imprensa, os alimentos permaneceram controlados, os presos políticos multiplicaram-se e os bandos armados procuravam intimidar os opositores a Sidónio. Colocado um ponto final na 1.ª Guerra – Mundial, em 11.11.1918, a paz social do país, com 30.000 militares ainda em França, longe de melhorar, foi alvo dos radicais anarquistas que ameaçaram o governo, com uma greve geral.

Face a este mal-estar dos trabalhadores com o Governo, o espantalho comunista, recentemente vitorioso na Rússia, foi arvorado, como o principal inimigo a abater. Entretanto, na rua, Sidónio continuava a seduzir a populaça em Lisboa, com marchas militares na avenida da Liberdade. Se a ligação às multidões continuava a somar êxitos, por outro lado, muitos políticos monárquicos começavam a desertar da companhia do Presidente-Rei. Sidónio, magoado e só, ia ficando cada vez mais isolado, chegando mesmo a confidenciar: “eu tenho hoje a hostilidade clara das esquerdas e, ao mesmo tempo, que a falta de apoio das direitas”.

Esta conjuntura política acabou por provocar, no outono de 1918, reuniões de alguns oficiais do exército que se reuniram para responderem a alguma possível “emergência” de mudança política. Na verdade, recorde-se, Sidónio já tinha sido alvo de um atentado no palácio de Belém, em dezembro de 1917. Para adensar ainda mais o ambiente político, começaram a correr boatos no Porto, que proclamavam que alguns conjurados militares monárquicos conspiravam, para restaurar a realeza, num pós-sidonismo.

Face a este ambiente político podre, Sidónio Pais, a residir em Belém, decidiu enfrentar este movimento conspirativo monárquico, colocando-lhe um ponto final. Para tal, preparou uma sua deslocação ao Porto. O meio de transporte escolhido para viajar até à cidade invicta, foi um combóio especial que teria que ser apanhado na estação do Rossio, em Lisboa. Aqui chegado, Sidónio admirou-se com o volumoso aparato policial ali instalado. Criticando tal manifestação de força, argumentou que “ele não se considerava o czar das Rússias”. Aos polícias se juntava ainda todo o Governo, bem como as autoridades civis. Para maior segurança, dentro do combóio presidencial, encontravam-se 30 polícias, como escolta presidencial. Portanto, tudo se encontrava devidamente planeado, para esta viagem.

Os primeiros passos que o Presidente deu na estação, ladeado de polícias, foram tranquilos, com segurança absoluta. Quando este se dirigia, finalmente, para a porta de entrada dos passageiros na estação, ”um indivíduo que estava na fila dos espectadores, logo atrás do cordão policial, arredou subitamente os guardas e precipitou-se em direção a Sidónio Pais”, escreveu o historiador João Medina. José Júlio, puxando o gatilho do revólver que empunhava na sua mão direita, disparou certeiramente contra o presidente da “República Nova”. Atingido com dois tiros, um no fígado e outro num pulmão, acabou por cair junto do porteiro da estação, Anastácio Trindade. Entretanto, os polícias agarraram o criminoso assassino, retirando-lhe a arma. No meio do alvoroço gerado, Sidónio foi levado de automóvel para o hospital de S. José, à meia-noite, mas já sem vida, em 14.12.1918. Declarado o óbito, o cadáver foi transportado para o palácio de Belém onde o vestiram com o seu fato de general de cinco estrelas de ouro. A partir desta altura, o povo de Lisboa numa “plangente e furiosa idolatria fúnebre”, como “o momento de maior idolatria e delírio público”, no testemunho de alguns jornalistas, faria de Sidónio, o “Grande Morto” ou o “Herói Mártir”.

Sidónio Pais.jpg

Os dias seguintes ao funeral foram de uma autêntica caça às bruxas, tentando-se descobrir o nome dos possíveis conspiradores envolvidos neste assassinato. Entretanto, alguns militares católicos monárquicos iam-se preparando para uma possível restauração da realeza, enquanto os mais fanáticos clamavam por “Vingança, Vingança”, não descartando uma possível reposição da pena de morte, para o criminoso e seus prováveis apaniguados conspiradores. Tal não viria a acontecer. O criminoso sofreria apenas pena de prisão. Do mito sebastianista de Sidónio, ficaria o belo poema de Fernando Pessoa (1920), dedicado à memória do Presidente – Rei. “Quem ele foi sabe-o a sorte/Sabe-o o mistério e a sua Lei./ A vida fê-lo herói, e a morte/ o sagrou Rei!” (…) “Nele uma hora encarnou El Rei / Dom Sebastião”.

florentinobeirao@hotmail.com