O HOMEM
Reflexões de um pensador!
(De como, em depoimento simples e despretensioso, e baseado no prosaico conhecimento empírico dum percurso de vida em comunidade, um qualquer indivíduo pode também dissertar acerca de si próprio e dos seus semelhantes, sem causar dano aos credenciados que, através de profundos e louváveis estudos, tentam decifrar quem é o complexo ser da natureza habitualmente designado por Homem. Tolerância para os primeiros e louvor para os segundos).
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Na tentativa de coordenar ideias que me possam conduzir ao agrupamento de umas palavras que resultem num pensamento pretensamente original sobre o ser humano, sinto-me surpreendido com esta constatação: como é possível que, conhecendo tantos homens há tanto tempo ( uns com H, outros com h) e sendo eu mesmo homem – aqui com h pequeno por uma questão de honestidade e discrição -, depois de tanto ler compêndios, uns mais fastidiosos outros mais interessantes, de autores de vários matizes, me encontre, neste momento, tão embaraçado para alinhavar umas simples linhas acerca do ser da natureza a que vulgarmente chamamos Homem, isto é, do Ser Humano. O pensamento embargado não sei por que misteriosa influência, as mãos como que presas impedindo a movimentação dos dedos que hão-de materializar a tarefa da escrita, o cérebro como que paralisado, sinto-me à beira de me entregar a perros que me levem ao desespero e à inacção, desprezando a tarefa que me propunha realizar, ainda que de forma primária, aliás, a única ao meu alcance.
Como que agarrado a um arbusto à beira duma ravina, resta-me recorrer à evocação de alguma ideia alheia que me ajude a encarreirar algumas considerações sobre o assunto. Vou, pois, pegar numas palavras atribuídas ao José Almada, o Negreiros, um dos vultos da nossa cultura do século passado. Terá dito um dia: - Vim tarde ao mundo, pois quando cheguei já outros tinham inventado todas as palavras necessárias para salvar a humanidade. Neste momento, já só falta uma coisa: salvar a humanidade. E disso eu não sou capaz.
Sem que propriamente me sinta a plagiar - que seria feio!– vou situar-me na atitude de simples imitador. Também eu sinto que já vim tarde ao mundo – e ainda bem! – pois quando cheguei já se tinham inventado todas as palavras para definir e caracterizar o Homem. Já só falta uma coisa: compreender o que verdadeiramente é o homem. E eu, isso, não sou capaz de o fazer. Contudo, pesquisar acerca de tudo o que a nossa capacidade de raciocínio ainda não atingiu um grau que nos satisfaça, constitui tarefa consuetudinariamente aceite e louvada. Refugiado neste princípio, com o alívio que daí resultou, eis-me mais à vontade para alinhavar umas frases onde, sem responsabilidades de maior, poderei dissertar um pouco acerca desta unidade complexa que é o ser humano. No entanto, e ainda antes de me embrenhar nalguma teia de difícil saída, não resisto a mencionar um episódio simples que refere que um dia alguém propôs a um conhecido filósofo ( cujo nome agora não me ocorre) que definisse homem e mulher. A resposta dele foi uma pergunta: - Qual homem? Qual mulher?
Já aqui, através desta reflexão do filósofo, nós percebemos que não só o homem não é igual à mulher, como qualquer homem nunca é igual a outro homem, nem uma mulher a outra mulher. Cada ser humano é uma identidade, tem a sua própria identidade. Faça-se o clone e, indubitavelmente, haverá sempre diferenças. Porém não se confunda igualdade com identidade. Coisas diferentes mas que andam a gerar em certos locais confusões delirantes, com ventos a soprar dos lados de S. Bento.
Perante este molho de verdades por demais reconhecidas, fácil é concluir quão difícil é manusear dados, elementos, conceitos, conjecturas que possam gerar uma confluência de opiniões coincidentes, conhecendo-se apenas uma certeza: o ser humano é mais complexo do que a capacidade que tem para se conhecer a si próprio.
Qual o homem que não põe, muitas vezes, perguntas a si próprio para melhor se ir compreendendo acerca de quem é? Quantos de nós não questionamos os nossos procedimentos, chegando a pensar que não nos estamos a reconhecer em face do que julgamos ser? Porque receamos muitas vezes o nosso comportamento, não confiando nas capacidades de que julgávamos estar possuídos? Quando dizemos com ênfase, para que os outros nos acreditem, "eu sou este, eu sou aquele, eu sou isto, eu sou aquilo", teremos de facto a certeza do que estamos a dizer e intimamente estaremos convictos das nossas afirmações? Como pode qualquer homem ou mulher garantir tudo isso aos outros se nem a si próprio se consegue convencer? Se todas estas interrogações não fazem sentido ou não são verdades, então eu não sou um homem. Poderei parecê-lo, mas não o sou.
Dentro do reino animal, qual a posição do ser humano? A si próprio intitula-se como superior, porque dotado de capacidades mentais e intelectuais que só ele possui. Ou julga possuir. E só isso bastará para que se possa alcandorar a uma posição de superioridade? Ou a relatividade de tudo o que existe no planeta o aconselham a ser mais moderado no seu triunfalismo?
Tudo isto em relação ao que o homem é ou não é. E se recuarmos à procura das suas origens? Se nos alhearmos das formas simplistas normalmente dadas pelas religiões, o imbróglio é ainda maior. Muitos conhecimentos se foram revelando ao longo dos tempos, sempre na perspectiva de encontrar uma explicação natural e científica, mas inúmeras dúvidas permanecem mesmo nesta época do conhecimento.
A explicação um tanto prosaica da Bíblia perdurou por muitos milhares de anos e era tomada por grande maioria como a fonte de toda a verdade. Porém, apesar dos conhecimentos adquiridos ao longo da história acerca da evolução do ser humano, embora quebrando muitos tabus, as dúvidas persistem e continuarão por muitos e muitos anos.
Acabou por salvar um pouco a situação o inglês Charles Darwin que , em pleno século XIX, após muitos e profundos estudos, publicou a obra “ A origem das espécies” onde teoriza a evolução das espécies ao longo do tempo. Porém, até hoje, ainda falta convencer muita gente das teorias que divulgou. Em que ponto estamos? Não direi no zero, mas, sem dúvida, muito longe de conclusões definitivas. De toda a verdade. Será ela revelada um dia? Mistério, o refúgio de tudo o que não se compreende. Como acontece com o etc. que, para além de ser o descanso dos sábios é também o refúgio dos ignorantes.
O Homem é paradoxal, é complexo e tem uma espécie de computador programado na sua cabeça, de tal forma que nenhum perito informático jamais conseguirá lidar com ele sem repetidos enganos e colheita de dados errados. Parece que vem aí a propagandeada inteligência artificial. Receio que seja o fim do homem. Ninguém sabe onde isto irá parar. A humanidade desumanizada é inimaginável.
A sua complexidade idiossincrásica transformam-no numa espécie de amálgama de sentimentos e comportamentos contraditórios, que geram conceitos díspares que alimentam permanentemente as dúvidas a seu respeito. A título de curiosidade, apontemos um exemplo :- O Homem é bom ou mau? Logo se põem as questões teóricas a funcionar : - O que é o bem e o que é o mal? No meio de todos esta trapalhada cá nos vamos safando…
Para mim, que às vezes sem qualquer resultado prático, também penso nestas coisas, o principal problema do homem é que é um ser individual e quase é obrigado a viver em sociedade. E um dos males mais pertinentes da existência principiam exactamente aí. E o grande drama do homem é que lhe é difícil sobreviver sem ser em sociedade. Se evocarmos Aleixo, o algarvio, poeta e puro de sentimentos sábios, disse ele num dos seus maravilhosos poemas: Não sou bem nem mal educado, sou apenas o produto do meio em que fui criado. Resumindo: ninguém é totalmente bom nem totalmente mau. Há quem diga que Hitler nutria muita ternura pelas criancinhas… Atrevo-me, porém, a recomendar que não censuremos com exagero quando entendemos que alguém se portou mal. Será preferível que aceitemos que está apenas equivocado. Vai longa a crónica e, para mal dos meus pecados, ou nem isso, tenho perfeita consciência de que nada escrevi que possa aproveitar-se para definir e melhor compreender o Homem. Mas não me pesa esse facto, porque sei que todo o saber humano tem limites, ainda que tais limites sejam diferenciados. Para compor melhor o ramo, atentemos no dito popular: cada um é como é ou, como dizia um meu vizinho lá da aldeia, cada um é como a mãe o p..., digo, gerou.
Dir-se-ia que esta abordagem de assunto tão delicado pode considerar-se ousada ou, no mínimo, arriscada, já que é elaborada em simultâneo com a ocorrência da célebre Web Summit, em Lisboa, onde se apresentam todas as novidades surgidas nos diversos campos do saber, com especial incidência sobre a Informática. Por razões óbvias e por óbvias razões, não fiz a minha visita ao dito evento. Li que a coisa vai repetir-se por mais dez anos na nossa capital, com enormes lucros para o país. Qual país? O Portugal do interior, rural, pobre, carente dos afectos de Lisboa? Duvido. É que sempre que se gritam fortes pregões na capital, raramente ecoam ou se reflectem naquelas paragens, e o que soa suscita quase sempre muitas incredulidades. Não sei se no referido evento já apareceu o tão apregoado homem com inteligência artificial. Quando o cavalheiro ( será mesmo? ) aparecer teremos um caso bem bicudo. Mas isso ficará a cargo de gente com outra responsabilidade, que não a minha. Contudo, permita-se-me que acrescente um diálogo, havido entre dois interlocutores de inteligência natural que li já não sei onde: - Sabes que metade da humanidade ainda não tem acesso à internet? Respondeu o segundo: - Sei, mas isso não o tomo como um mal. O verdadeiro mal é que já metade da população mundial tem acesso à internet…
Resumindo, o mal não está na criatividade do homem nos vários campos do saber, na capacidade imaginativa, na descoberta de tecnologias que vão alterando o comportamento das sociedades ao longo do tempo. O mal está no desequilíbrio dessas sociedades que, por paradoxal que pareça, faz muitas vezes girar a roda da sorte ao contrário.
Homens, sede homens! Homens, sede bons! Pode ser que este grito lançado pelo Papa Paulo VI, agora a caminho da santidade, aquando da sua visita a Fátima, no ano do cinquentenário das aparições, opere muitos e muitos milagres. Que Deus ajude e os homens colaborem.
A. Pires da Costa