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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

O Dia de Fiéis Defuntos

29.10.18 | asal

Laços entre vivos e mortoFlorentino1.jpegs

 

Brevemente, todos os caminhos irão dar aos cemitérios das nossas cidades e aldeias. Assim acontece todos os anos em Dia de Fiéis Defuntos. Um louvável hábito que demonstra o nosso respeito pela memória daqueles que amámos, e cujos laços afetivos desejamos manter e prolongar nas nossas vidas. Hoje são eles os visitados, amanhã seremos nós.

Os nossos cemitérios tornaram-se assim espaços privilegiados e únicos onde a vida e a morte se entrelaçam, em sentimentos íntimos e profundos. As flores que ali se depositam nestes dias são bem o testemunho da profunda estima por aqueles que já partiram, embora permaneçam connosco, dentro das nossas memórias.

A experiência de sepultar os mortos, desde os remotos tempos da hominização, esteve sempre presente na vida dos povos. Desde os mais primitivos, às grandes civilizações. Se foi o Egipto, ao acreditar na vida do além, que levou esta experiência mais longe, com a sabedoria de fazer as múmias e a construção das pirâmides, mais perto de nós, as tribos celtas que povoaram a Europa, desde o séc. VIII- a II a.C. também construíram numerosos monumentos funerários - antas e dolmens - para perpetuar a memória dos mortos. Assim, de geração em geração, por respeito aos antepassados se tem mantido este ancestral ritual de enterrar e preservar os restos mortais. Certamente, porque os humanos estavam convencidos de que a morte física, não teria que ser o fim de tudo. Pensariam, porventura, que haveria algo da pessoa falecida que continuaria a permanecer entre os vivos.

Na verdade, mais cedo ou mais tarde, todos o sabemos, teremos que deixar esta vida que nos foi dada viver neste mundo, em mais ou menos espaço de tempo. De uma forma ou de outra, novos ou velhos, todos havemos de deixar este mundo. É a lei da vida, lá diz o povo. Como ensinou a filosofia existencialista do passado século, “o homem nasceu para a morte”. É a única e insofismável certeza que temos. Embora cativos desta ideia, temos em simultâneo, o profundo desejo de obtermos a imortalidade. Desta experiência contraditória, poderá nascer em nós a angústia, o desespero ou a solidão. Face a esta constatação, têm nascido as múltiplas respostas religiosas, para nos ajudarem psicologicamente a apaziguar os nossos medos, face ao desconhecido, após a morte. Como constatou Bossuet em 1666: “é uma estranha debilidade do espírito humano que a morte jamais esteja presente nele, por mais que ela nos apareça em tudo, debaixo de mil formas diferentes”. 

Até hoje, nenhuma filosofia conseguiu ainda libertar totalmente a humanidade dos temores da morte. Nem o acreditar no além, nem ser recompensado pela notoriedade obtida em vida, nem o prolongar a nossa vida nos filhos, são suficiente consolo para atenuar o dramático final da nossa vida.

Poderá ter razão o investigador António Delgado quando afirma que “as sepulturas nasceram como um meio tranquilizador, para enfrentar o medo e o vazio que a morte nos provoca”. Estas teriam assim, como finalidade, servir de representação e comunicação entre o visível e o invisível, tentando apaziguar o ser vivo. Deste modo, poderá cumprir uma função mediadora e de comunhão, entre duas realidades opostas, ao unir os vivos presentes e os defuntos ausentes, estabelecendo estreitos laços entre os vivos e os mortos.Cruz de cemitério.jpg 

Ao entrarmos nos nossos cemitério no Dia de Fiéis Defuntos, tão ajardinados e limpos que se encontram nesse dia, podemos perceber de como os vivos, neste dia muito especial, desejam mostrar aos seus entes queridos falecidos que não só os não esquecem, como recordam com saudade os dias que viveram juntos nesta vida, certamente, entre alegrias e tristezas. As sepulturas tornam-se assim nesta altura do ano, autênticos altares floridos onde se vai rezar ou reviver ausências e memórias.

Enquanto hoje nas grandes cidades, a morte tem tendência a ser ocultada e burocratizada, nas nossas aldeias do interior, felizmente, ainda existe alguma convivência saudável entre os mortos e os vivos. Estando imersos numa sociedade que gira à volta de uma organização socioeconómica cujos valores são apenas o lucro, o culto da morte poderá ter os dias contados nas grandes cidades desumanizadas. O secularismo invasor dos nossos tempos, infelizmente, até esta saudável relação entre mortos e vivos poderá vir a destruir. Não deixemos nós que os estreitos e sólidos laços, entre vivos e mortos, se desatem.

florentinobeirao@hotmail.com