Salazar e a Escola Primária - 2
4 - Estrutura do Livro:
1.ª Parte: do 1.º ao 3.º caps:
- a biografia breve de Salazar de 60 páginas de densa informação. Sintetizar uma vida, recheada de peripécias, pessoais e políticas, em tão curto espaço textual, afigura-se-me quase um milagre de escrita, mau grado as inevitáveis lacunas e elipses que um discurso deste tipo apresenta e que o leitor poderá completar com as obras da bibliografia. Mas na obra do Florentino está o essencial, sem esquecer “ As paixonetas de Oliveira Salazar ( pp. 79-80), caindo assim por terra o mito da renúncia ao casamento para se dedicar total e exclusivamente ao serviço da Pátria querida - um mito forjado pela imaginação surrealista de António Ferro, o responsável-mor do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN, 1933), agente principal do processo de mitificação da pessoa do Chefe e da salazarização da sociedade que, ajoelhada, participava na liturgia secularizante do culto da personalidade do homem que, em certos momentos celebrativos, se esquecia das suas origens humildes. Por alguma razão, a Igreja não conseguiu pôr o nome de “Deus na Constitução” apesar de Salazar e o seu regime declararem a fé do Povo como o baluarte da civilização cristã.
O 3.º capítulo merece uma leitura atenta. É talvez um dos mais bem conseguidos, a par de outros como o 14 o 15, se bem que em todos eles podemos respigar elementos novos que muito nos ajudam a formar uma ideia mais exata e fidedigna da ideologia e realizações do Estado Novo, graças ao espírito crítico e à fina interpretação dos factos de que o autor dá sobejas provas. Vou apenas anunciar uns tantos dos 12 ou 13 pilares que podem explicar a longevidade do regime:
a) - O apoio da Igreja, que desde a 1.ª hora, o acarinhou como o seu Salvador contra os excessos jacobinos do período afonsista;
b) - A União Nacional (1930), movimento e não tanto um partido, muito ativo em períodos eleitorais, e criado justamente para legitimar eleitoralmente um regime que carecia de reconhecimento internacional;
c) - A mocidade portuguesa e a legião, milícias paramilitares que, a partir de 1936, formaram a falange dos Viriatos, combatendo ao lado de Franco;
d) - O prestígio internacional de Salazar na forma como conseguiu uma neutralidade colaborante com a Inglaterra e Alemanha na 2.ª Guerra Mundial;
e) - E outros que o simpático leitor procurará deslindar… António Ferro bate palmas a Salazar
Entre o 1º e o 3º caps. intercala-se um que pessoalmente mais me apraz. Refiro-me a Fernando Pessoa (1888-1935) e Salazar, feito de SAL+AZAR. E que é um feliz corolário da biografia do nosso herói, agora transformado num ilusionista e um jogador maquiavélico na visão satírica de um poeta realista e visionário, de olhar rápido e percuciente retratado aqui com a mesma finura do Padre Mateo em 1928.
Salazar não foi a única vítima da verve irónica e satírica do nosso poeta, que não poupou Afonso Costa e Bernardino Machado nas suas Quadras e Outros cantares. O grande Estadista de Santa Comba sai literalmente desfeito e enxovalhado nestes dichotes certeiros: Coitadinho/ do tiraninho/ Não bebe vinho. Nem sequer sozinho…/ Bebe a verdade/ e a liberdade…” Note-se o equívoco verbal no uso do verbo “Beber” em sentido literal e figurado. Bebe a verdade e a liberdade, no sentido de “sugar” e que define, desde logo o seu despotismo narcisista e auto-iluminado.
(continua)
João Lopes