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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

Salazar e a Escola Primária - 2

15.02.18 | asal

J.Lopes.jpg4 - Estrutura do Livro:

 

1.ª Parte:   do 1.º ao 3.º caps:  

- a biografia breve de Salazar de 60 páginas de densa informação.   Sintetizar uma vida, recheada de peripécias,  pessoais e políticas, em tão curto espaço textual, afigura-se-me quase um milagre de escrita, mau grado as inevitáveis lacunas e elipses que um discurso deste tipo apresenta  e que o leitor poderá completar com as obras da bibliografia. Mas na obra do Florentino está o essencial, sem esquecer “ As paixonetas de Oliveira Salazar ( pp. 79-80),  caindo assim por terra o mito da renúncia ao casamento  para se dedicar total e  exclusivamente  ao serviço da Pátria querida - um mito forjado pela imaginação surrealista de António Ferro,  o responsável-mor  do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN, 1933), agente principal do processo de mitificação da pessoa do Chefe e da salazarização da sociedade que, ajoelhada, participava na liturgia secularizante do culto da personalidade do homem que, em certos momentos celebrativos, se esquecia das suas origens humildes. Por  alguma razão, a Igreja não conseguiu pôr o nome de “Deus na Constitução”  apesar de Salazar e o seu regime declararem  a fé do Povo como o baluarte da civilização cristã.

O 3.º capítulo merece uma leitura atenta. É talvez um dos mais bem conseguidos, a par de outros como o 14  o 15, se bem que em todos eles podemos respigar elementos novos que muito nos ajudam a formar uma ideia mais exata e fidedigna da ideologia e realizações do Estado Novo, graças ao espírito crítico  e à fina interpretação dos factos  de que o autor dá sobejas provas.  Vou apenas anunciar uns tantos  dos 12 ou 13 pilares que podem explicar a longevidade do regime:

SalazarAntonioFerro.jpg

a) - O apoio da Igreja, que desde a 1.ª hora, o acarinhou como o seu Salvador contra os excessos jacobinos do período afonsista;

b) - A União Nacional (1930), movimento  e não tanto um partido, muito ativo em períodos eleitorais, e criado justamente para legitimar eleitoralmente um regime que carecia de reconhecimento internacional;

 c) - A mocidade portuguesa e a legião, milícias paramilitares  que,  a partir de 1936, formaram a falange dos Viriatos, combatendo ao lado de Franco;

d) - O prestígio internacional de Salazar na forma como conseguiu uma neutralidade colaborante com a Inglaterra e Alemanha na 2.ª Guerra Mundial;

e) - E outros que o simpático leitor procurará deslindar…    António Ferro bate palmas a Salazar

 

Fernando-Pessoafoto.jpg

Entre o 1º e o 3º caps. intercala-se um que pessoalmente mais me apraz. Refiro-me a Fernando Pessoa (1888-1935) e Salazar, feito de SAL+AZAR. E que é um feliz corolário da biografia  do  nosso herói, agora transformado num  ilusionista  e um jogador maquiavélico na visão satírica de um poeta realista e visionário, de olhar rápido e percuciente  retratado aqui com a mesma finura do Padre Mateo em 1928.

 Salazar não foi a única vítima da  verve irónica e satírica do nosso poeta, que não poupou Afonso Costa e Bernardino Machado  nas suas Quadras e Outros cantares.  O grande Estadista de Santa Comba sai literalmente desfeito e enxovalhado nestes dichotes certeiros:  Coitadinho/ do tiraninho/ Não bebe vinho. Nem sequer sozinho…/ Bebe a verdade/ e a liberdade…” Note-se o equívoco verbal no uso do verbo “Beber” em sentido literal e figurado.  Bebe a verdade e a  liberdade, no sentido de “sugar” e que define, desde logo o seu despotismo narcisista e auto-iluminado.

(continua) 

João Lopes

Salazar e a Escola Primária - 1

15.02.18 | asal

J.Lopes.jpg

 "Salazar e a Escola Primária  IMG_20180130_170401.jpg

 Concelho de Castelo Branco"

 RJV- Editores da Câm. - Munic. de Castelo Branco, 413pp., 2017 ( 250 exemplares)

 

 1 - O título desta obra, a última saída da oficina de trabalho de Florentino V. Beirão, investigador incansável sobre os diversos aspetos da história regional e nacional,  indica, logo à partida, uma divisão em duas partes:  Salazar, vida e obra (1889-1970) e a Escola Primária, como instituição nacional, situada no Distrito de Castelo Branco, um distrito do Interior, que, apesar da distância do Centro do Poder,  nem por isso sentiu menos o peso burocrático e a vigilância apertada do governo de Lisboa.

   O período abrangido pelo estudo vai desde a ditadura militar de 1926 e a ditadura do Estado Novo (1932-33) até à morte de Salazar (1970). A atenção do historiador foca-se sobretudo nas décadas de 30 , 40 e 50,   em que o regime averba algumas grandes vitórias  nos planos político, diplomático, económico e cultural.   Quanto à década de 60,  anunciam-se as iniciativas de desenvolvimento  urbanístico e do lançamento de infra-estruturas nas Províncias do Ultramar, mas sem grandes delongas, dada a incerteza do momento  e do desfecho da Guerra  Colonial, desencadeada  por um Salazar já septuagenário.

2 - O Dr. Luís Correia, pres da Câmara, faz um breve apresentação, destacando o “ relevante  contributo ( desta obra) para a compreensão do papel da Escola Primária no nosso concelho, durante o Estado Novo” Vem depois a comovente dedicatória do autor ao seu irmão José Maria, falecido durante a 3ª classe”  e ao seu dedicado professor primário João Pedro Rodrigues.

3 - A Introdução (pp 13- 14) começa com uma citação do filósofo da cultura Lucien Fèbre: “ a ciência histórica  é uma operação de escolha e o ofício do historiador  é propiciar a compreensão do passado” e, por esta razão  se justifica a “escolha” do nosso autor em privilegiar a ação  de um homem-charneira, dotado de uma inteligência invulgar, uma mente brilhante, o verdadeiro arquiteto das estruturas  políticas e culturais do Portugal contemporâneo, levantando o país e a sociedade dos escombros da primeira experiência republicana. 

A sua obra, modelada pela ideologia nacionalista e autoritária daquele tempo, não morreu com ele. Nem com a revolução de abril.  Queiramos ou não, para o bem e para o mal, ainda hoje se observam  as suas  marcas e cicatrizes  na própria organização política e no pensamento e maneira de viver de muitos portugueses. ( ver p. 84 desta obra)  Por fim, o autor apela  à leitura da sua obra e a de outros com semelhante temática, como forma  de combater o esquecimento, a amnésia coletiva em que a nossa própria identidade se esfuma em lembranças esparsas e esbatidas. A citação oportuna de Herberto Hélder  vai neste sentido: “ a minha cabeça estremece com o esquecimento” e eu, com a devida vénia, trago para aqui um convite de Milan Kundera a incitar-nos  a lutar contra o tempo e o poder: “  A luta do homem contra o poder é a luta do homem contra o esquecimento”.

(continua)

                      João Lopes

Esta é a página 84, referida no texto.

pág.84.jpg