O meu adeus ao Padre Libânio
MAIS UM TESTEMUNHO VIVIDO
Felizmente, o nosso blogue começa a ficar recheado de textos especiais, que dão vida a quem nos deixou. Desta vez, é o Florentino que aqui deixa as boas recordações que tem do P. Libânio. AH
“Felizes os mortos que morrem no Senhor; desde agora eles repousam das suas fadigas porque as suas obras os acompanham” (Ap. 14.13).
Estas as palavras que me ocorreram quando soube do falecimento do nosso bom e velho amigo padre Libânio Domingos Martins, nascido em 14.11.1936, na Ermida- Sertã.
A minha relação mais próxima com o padre Libânio aconteceu na paróquia da Sé de Castelo Branco, em finais dos conturbados anos sessenta. Nesta equipa fantástica e inesquecível, encontravam-se ainda o Monsenhor Magalhães, os cónegos Cabral e Tarcísio, o P. Nuno Semedo.
Durante os anos que privei com ele, tive a felicidade de descobrir a riqueza da sua personalidade humana bem como a sua profunda fé, de uma grande consistência. Quando se encontrava mais desanimado no seu trabalho pastoral, como professor de Religião e Moral na Escola Comercial e Industrial de Castelo Branco, comungando eu das mesmas preocupações, muitas vezes me confidenciava “se não tivesse fé, não aguentava tamanho esforço”. Recordemos que nos finais dos anos sessenta – com as mudanças de mentalidade dos jovens - com as aulas de Moral obrigatórias e sem avaliação, difícil era manter os alunos interessados nas aulas. No Liceu, eu sentia as mesmas dificuldades – agravadas por um Reitor fascizante -.
Durante estes anos, nas férias do Verão, no seu Austin, lá nos juntávamos para visitarmos a Europa – um deslumbramento para nós que vivíamos sufocados pela ditadura.
Por vezes, ainda tivemos tempo de ocuparmos a capela da Senhora da Rocha no Algarve onde nos descomprimíamos e aprofundámos as nossas relações de profunda amizade.
Depois que ele se desligou da equipa sacerdotal de Castelo Branco, pouco mais tive a felicidade de privar com ele, visitando-o apenas em Cernache do Bonjardim e na lareira afetuosa de Marvão, onde me deu a conhecer a grande figura da oposição a Salazar, o então mais moderno arquiteto do país Nuno Teotónio Pereira. Ainda visitei o P. Libânio no Rossio ao sul do Tejo, onde vivia de um modo tão frugal que me lembrou a biografia do Santo Cura d´Àrs, mil vezes lida e relida no seminário de Portalegre, enquanto metíamos umas garfadas na boca.
Nos últimos anos, tive ainda o prazer de reviver os bons momentos passados com P. Libânio uma vez que se encontrava a residir no seminário de Alcains, com mais alguns colegas. Já bastante agastado na sua saúde, ainda ganhou forças para paroquiar Escalos de Baixo e Mata e, finalmente, integrado na equipa sacerdotal de Alcains.
Nesta fase da sua vida, senti que a sua saúde ia esmorecendo dia após dia, embora não regateasse esforços, quase sobre-humanos, para prestar o serviço pastoral que lhe era destinado.
E foi assim que não me surpreendeu a dolorosa notícia do seu falecimento no dia 19 de Dezembro, após as muitas limitações dos últimos meses da sua vida.
A última vez que conversámos mais demoradamente, foi após o nosso último encontro dos Antigos Alunos dos nossos seminários, em Castelo Branco. Como recordam os que nele participaram, o nosso amigo Joaquim Mendeiros, num livrinho por ele coordenado, dedicou-lhe uma bela “versalhada” onde descrevia a sua faceta de professor de Ciências da Natureza.
Pausadamente, lá consegui ler ao P. Libânio esses belíssimos versos, uma vez que a dificuldade de ele os ler já era notória.
Uma luz brilhante, cheia de inteligente ironia e risada fácil, de palavras lentas e muito saboreadas, lá se apagou neste Natal a sua estrela na terra, para ressuscitar nos corações dos que tiveram o privilégio de com ele lidar, ao longo da sua longa e fecunda vida.
Obrigado, padre Libânio, pelas vezes que tecemos e partilhámos a nossa história nos bons e maus momentos. Teu sempre amigo:
Florentino Beirão