DOS SINOS DE CERNACHE AOS DE MARVÃO
OUTRO MIMO DO FERNANDO LEITÃO
Quando recebo colaborações destas, enche-se-me o coração de alegria. Coisas tão pequeninas, mas tão cheias de vida, que tenho vontade de gritar: meus amigos, não percam estas jóias no esquecimento total. Venham outras! AH
TOCAM OS SINOS NA TORRE DA IGREJA…
- Há muitas histórias por contar…
Na recente estadia, em tratamento termal, no balneário D. Afonso Henriques de São Pedro do Sul, ao deslocar-me para a Eucaristia dominical na Igreja de Nossa Senhora da Saúde, prestei atenção ao invulgar toque de sinos, cujos sons me identificaram os cânticos: “Dou-vos um mandamento novo…”, “Hoje se escutardes a voz do Senhor…”,”Eu louvarei, eu louvarei…”, fazendo-me recordar os sinos da minha aldeia.
A Igreja Matriz de Cernache do Bonjardim, que tem por orago São Sebastião, regista uma particularidade não referida nas descrições desse Templo e que me parece ser caso único em toda a Diocese: o carrilhão em dó maior (8 sinos).
Aceder à torre não era tarefa fácil, porque, ao tempo, era sério risco subir todos aqueles degraus, às escuras, com alguns deles já desfeitos. Chegados lá, deparávamo-nos com uma engrenagem tosca em madeira, com oito varais ligados, cada um, por arame ao badalo do sino, funcionando como teclado.
O meu pai, que ali fora sacristão durante 50 anos, executava peças de música religiosa, a quem dávamos ajuda no seu impedimento. Quando ele prolongava o toque, em casamentos ou batizados, já sabíamos que a gorjeta tinha sido avultada.
Com o sistema de eletrificação, o comando é agora feito na sacristia, por teclas, sem repertório musical, restando apenas o repicar simples dos sinos. Já não se sobe à torre. Emudeceram- se as melodias e já não se vê a revoada de pombos que aí nidificavam.
- C:”Introibo ad altare Dei…”; S. “Ad Deum qui laetificat juventutem meam”
O S. Sebastião da capela-mor, em azulejos do séc. XVIII
Na década de 40, ainda existiam para além do altar-mor seis altares laterais e diariamente eram celebrantes: Padres Rocha(pároco), Neves, Hipólito e Cónego Patrício. Presentemente, com as obras de restauro levadas a cabo pelo Pe. José Alves, os altares laterais foram reduzidos para quatro.
Como algumas das missas eram simultâneas havia necessidade de, ainda na escolaridade primária, aprendermos a ajudar à missa em latim. O meu instrutor foi o Pe José Antunes Mendes, coadjutor, do curso do Cónego Brás Jorge e que faleceu, ainda jovem, vítima de tuberculose.
Recordo duas figuras ilustres da terra que, diariamente, assistiam à missa: o Dr. Gualdim Queirós e Melo que tendo sido professor e médico escolar, foi médico da freguesia e subdelegado de saúde e o meu padrinho, Dr. Bravo Serra, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, de superior inteligência, mas também de notória excentricidade, que comparecia na Igreja Paroquial também à missa diária, depois de ter assistido no Seminário das Missões à da comunidade.
Experiente que era no toque de sinos, não foi difícil disponibilizar-me para essa missão na Igreja do Espírito Santo, em Marvão, para convocar a comunidade local para os nossos atos de culto. Sempre que ia à torre surgia à janela a criada do prédio da frente. Deste continuado cruzamento de olhares nasceu um namorico gestual, que terminou quando o João Cristóvão (Pergulho - Proença-a-Nova) me alertou para as minhas demoras na torre, já muito comentadas entre a malta do Seminário. A partir daí não voltei ao campanário por decisão pessoal. Terminaram para mim o toque de sinos na torre dessa Igreja e o devaneio.
As loucuras de ontem são as boas histórias de hoje.
Fernando Cardoso Leitão Miranda