AO CORRER DA PENA
PASSEANDO PELO PASSADO
(Um convite a fazeres o que eu fiz... Vale a pena!)
Palmeiras, cerejeiras, nogueiras, as árvores do meu hoje.
Que é que se passa comigo? Será que isto é que é a escrita criativa? Mandam-me (não, foi só a sonhar!) escrever ao correr da pena e eu, sem pena mas com um teclado à frente, vou dizendo o que me vai na alma.
Agora é uma revoada de pássaros que me enche a cabeça, voando doidamente, chilreando, até que se anicham numa grande palmeira, ali para os lados do Gavião, terra que me traz à lembrança os anos de menino no Seminário, quando com mãos pequeninas tentava de uma só vez, sem repetir, apanhar o maior número de azeitonas para comer no lanche com a fatia de pão que nos era dada debaixo da tal palmeira dos meus sonhos. E se não eram azeitonas, era uma fatia de pão já barrada de coisa parecida com manteiga, que eu detestava (na minha casa nunca tinha entrado tal conduto…), mas que era uma delícia para os meus companheiros. Assim, para poder ferrar os dentes em tal alimento, pegava num pequeno canivete que ia raspando a manteiga para o pão dos amigos, e sempre havia muitos; quando a fatia se encontrava limpa daquela mistela, muito bem, já podia satisfazer os meus apetites…
Ali passei eu umas horas no refeitório, à espera que comesse a sopa onde eu tinha vazado a colher do óleo de fígado de bacalhau, tão difícil de tragar… E como um colega tinha sugerido que na sopa era mais fácil de engolir, lá vou eu na cantiga…. Impossível! Era melhor ficar sem sopa e sem recreio. O que me valeu é que os padres, para se verem livres deste imbróglio, resolveram que eu não precisava de tomar este intragável remédio porque já era gordinho!
Levanta-se o bando de pardais daquele oásis e arrancam em direcção ao norte… Nessa data, já eu passeava por Alcains, de guarda-pó ou de batina, jogava à bola com todo o gosto e também estudava o “hora, horae”, para além de saber o meu lugar na forma, dois a dois, consoante as alturas, pequenos à frente, mais altos atrás.
Aí, era o ti Assunção que tomava conta dos pardais, batendo em tampas de panelas para os enxotar da ala de cerejeiras que ladeavam o caminho de saída para o burgo e por onde passavam as lavadeiras para levar e trazer a nossa roupa lavadinha. E comeríamos as cerejas? Dependia da perícia do batedor, que não era lá muita, pois o tabaco e o álcool dificultavam a tarefa.
E as árvores continuam por este país fora, aquelas que o fogo ainda não consumiu.
Agora, dou comigo em sonhos na encosta da serra, numa quinta por cima do Seminário de Portalegre. Os pardais também aqui chegam, assim como os alunos do Seminário Maior e um cão a contornar uma árvore especial a precisar de atenção canina. Era uma nogueira de frutos deliciosos, dos tais que avivam a nossa memória o bastante para decorar as falas do teatro, as definições dos axiomas filosóficos ou dos princípios da moral e da teologia cristãs…
O Sr. Domingos tinha jurado, ufano, que com aquele cão as nozes estavam a salvo, que aquilo para ele era “ciência que não vem nos livros”. Mas enganou-se! Uns alunos, com algum engodo especial, abeiraram-se do cão, fizeram-se amigos e lá foram às nozes… Os pardais fugiram e o Sr. Domingos nem ouviu tal chilreada a avisá-lo.
A história hoje acaba aqui. E que gozo me deu…
António Henriques