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Animus Semper

Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Portalegre e Castelo Branco

A reforma de Lutero (2)

29.08.17 | asal

Mais um texto bem actual do Florentino Beirão, que ajuda a compreender a história...

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Uma luz na escuridão 

 

Lutero, com 33 anos em 1516, em plena vitalidade, era um frade atormentado, pessimista, com crises de desespero. O sentir-se pecador atormentava-o, permanentemente. Não havia volta a dar. Tudo, fruto do pecado original que, a partir de Adão e Eva, conspurcava toda a humanidade. Mesmo as boas ações ficariam manchadas. Sendo assim, para este frade piedoso e místico, esta corrupção original seria uma situação invencível. Daqui concluir que, mesmo que façamos o bem, todas as nossas ações ficavam contaminadas. Deste modo, a salvação eterna de cada um tornava-se uma impossibilidade ontológica. Segundo Lutero, face a esta constatação, não seria o cumprimento da Lei divina que nos salvaria, mas a Sua graça. “Só o amor de Deus, derramado nos corações pelo Espírito Santo, nos pode salvar”, ensinava e pregava este religioso.

Para não cair numa atitude existencial absurda, esmagadora, sem saída possível, Lutero tentou encontrar uma luz ao fundo do túnel, para se libertar do seu desespero. Começou então a vislumbrar e a acreditar que o homem só se justificaria pela Fé em Deus e na Sua Palavra, contida na Bíblia, a qual importava conhecer e seguir. A sua experiência íntima pessoal e espiritual levou-o assim a acreditar, desesperadamente, nesta alternativa salvadora. Convicto deste novo caminho - a justificação apenas se alcança pela Fé - nos seus escritos e pregações, foi tentando alastrar esta sua verdade, numa altura em que a imprensa era inventada e já alastrava. Segundo Lutero, só pela Fé, Deus e o homem se podem unir. “A verdadeira religião, ensinava ele em 1522, consistia no homem se poder dirigir a Deus diretamente, sem mediadores, através de uma linguagem clara e direta que todos compreendessem”. Pregando e vivendo deste modo tornou esta doutrina a razão da sua vida, tentando ultrapassar assim o seu desespero.

Segundo um grande biógrafo de Lutero, Lucien Febvre, o que mais importava a Lutero “não era tanto reformar a igreja dos seus vícios e pecados, mas resolver o problema da sua salvação eterna”. Portanto, queria ser acima de tudo, um reformador da vida interior. Embora soubesse que a Igreja tinha muitos vícios e pecados, como a compra de títulos eclesiásticos, o negócio das indulgências para a construção da basílica de S. Pedro, alguns arcebispos nomeados aos oito anos, bispos com lucros de várias dioceses, fazendo-o sofrer e até chorar, a sua grande preocupação era a conversão interior de cada pessoa.

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Sem total consciência das consequências da sua pregação, Lutero encontrava-se com a sua nova perspetiva cristã, a potenciar uma caminhada para novos desafios. O homem, para se salvar, concluía ele, já não necessitava das estruturas religiosas da Igreja romana nem do aparelho eclesiástico decadente, mas somente da Fé em Deus e na Sua Palavra, bebida na Bíblia. Nascia assim uma religião plenamente individualizada, sem necessidade de intermediários oficiais entre Deus e o homem e sem as indulgências, supostamente redentoras, pregadas pelos dominicanos. Este movimento religioso, iniciado por Lutero, viria a ser designado pelos historiadores de Reforma Protestante.

Nascia assim uma nova doutrina numa Alemanha retalhada, dividida em principados, onde o Imperador augsburgo Francisco pouco imperava, pois dependia dos príncipes eleitores. Entre eles, não faltavam as rivalidades políticas, sendo senhores de opulentas cidades onde uma burguesia autónoma de mercadores, ligada ao comércio de Lisboa, enriquecia, embora rodeada de camponeses miseráveis. Quanto ao clero, era considerado parasita na sociedade, pois vivia do produto da dízima dos fiéis. Este clima social que clamava, desde há muito, por uma reforma política e religiosa, encontrou em Lutero a incarnação destes anseios de mudança.

Acossado pela Igreja de Roma que o expulsou do seu seio, mas gozando do apoio do povo e de príncipes, Lutero acabou por pedir apoio a Frederique de Saxe, que o acolheu no seu castelo em Wartburg, onde traduziu a Bíblia para alemão. Em 1518, este confessava que “quanto mais eles se enfurecem comigo, mais longe eu avanço”. Dois anos mais tarde, garantia: “excita-me a competição com os meus adversários”. Nesta sua mudança, tornava-se assim um homem perseguido, num corajoso profeta desafiador, apresentando com coerência o seu sistema doutrinal. Lutero desafiaria não só o poder da poderosa Roma, mas as próprias forças infernais, ao casar-se com uma freira em 1521. Esta opção, confessou ele, seria para” zombar do diabo e das suas escamas”.

 

florentinobeirao@hotmail.com